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RN ultrapassa prazo para analisar medidas protetivas da Maria da Penha

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O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) é o segundo do país que mais demora para analisar medidas protetivas da Lei Maria da Penha. Em 2024, o tempo médio entre o início do processo e a primeira medida foi de nove dias, acima do prazo de até 48 horas estabelecido pela legislação para esses casos. Os dados são do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O estado líder na demora é a Bahia, com demora média de 22 dias em 2023 e 16 dias em 2024. Ao todo, 13 estados descumprem o prazo para analisar medidas protetivas da Lei Maria da Penha. Apesar do atraso, os números no RN vêm caindo. Se em 2024 foram nove dias, em 2023 o tempo médio para concessão foi de 15 dias. Já os dados parciais de 2025, coletados até 30 de abril, apontam que o tempo médio foi de sete dias. Mas, para o juiz Fábio Ataíde, da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica, os dados do CNJ não refletem a realidade. A diferença entre os números internos e os dados do CNJ se daria pela questão do banco de dados, por medidas pedidas protocoladas dentro do processo e não de maneira autônoma, e pela ausência de informações no pedido inicial, que faria o juiz solicitar alguma diligência para subsidiar a informação da medida protetiva.

“Eu penso que a gente está cumprindo (o prazo de até 48 horas), mas os números estão dizendo outra coisa. Então, isso já é um problema para a gente identificar quais são as razões para isso”, afirma.

Uma das possíveis razões para essa diferença, segundo ele, é que o banco de dados do CNJ puxaria informações não somente de medidas protetivas dos Juizados de Violência Doméstica, mas também de outras unidades.

Tempo médio entre o início do processo e a primeira medida

2023: 15 dias

2024: 9 dias

2025 (até 30 de novembro): 7 dias

“Embora a medida protetiva esteja na Lei Maria da Penha, outros juízes utilizam de analogia para aplicar essas medidas protetivas também. Eu posso ter medidas protetivas das mais diversas, em relações de trabalho, para homens homoafetivos. Então, são várias situações em que são dadas medidas protetivas e não necessariamente em situação de violência doméstica”, aponta Ataíde, que reconhece, ainda assim, que a grande maioria das medidas protetivas são concedidas por magistrados de violência doméstica, sejam privativos ou exclusivos especializados.

Outro fator que ele aponta para explicar os números é que, em várias unidades, as medidas protetivas seriam pedidas dentro do auto de prisão em flagrante, e não como um processo autônomo. Ou seja, dentro de um processo que já corre há vários dias, e não recém protocolado.

““Quando se prende alguém por violência doméstica, essa pessoa é levada para uma audiência de custódia e o juiz defere uma medida protetiva. Só que essa medida protetiva não vem separada, ela vem junto com o auto de prisão em flagrante, e ela acaba não sendo registrada de forma autônoma como medida protetiva. Aí, feito o flagrante, tomada a decisão, depois do plantão é levada para um juiz competente, e quando chega lá a Secretaria faz o movimento da medida protetiva. O sistema reconhece aquele movimento como se fosse o primeiro ato de medida protetiva, e aí ele conta retroativamente quando foi dada a entrada do flagrante”, explica.

“Na verdade, é uma falha interna do nosso sistema, inclusive no nosso preenchimento”, diz.

Por conta desse problema, diz o juiz Fábio Ataíde, a Coordenadoria da Mulher do TJRN editou uma nota técnica recentemente orientando que toda medida protetiva seja autuada de forma autônoma, para não ficar dentro do processo. A proposta também foi levada para que a Corregedoria Geral de Justiça analise e, eventualmente, transforme como norma.

“É importante dizer isso porque a autuação autônoma de todas as medidas protetivas vai dar um grau de conhecimento mais preciso, para a gente saber exatamente quantas medidas estão em tramitação e também para a gente identificar onde está a falha, em quais medidas protetivas está havendo esse retardo, porque agora, atualmente, em boa parte, algumas unidades fazem autuação automa já. Mas como isso não é uma regra clara aqui no Estado, muitas outras unidades ainda têm medidas protetivas incidentais, ou seja, elas estão dentro do processo”, diz o juiz.

Medidas protetivas no Rio Grande do Norte
Medidas protetivas concedidas Medidas protetivas denegadas
2023 6.279 706
2024 7.154 1.055
2025 (até 30 de abril) 2.317 414

Além das medidas concedidas ou denegadas, há outras situações registradas pelo CNJ, como aquelas que foram revogadas, prorrogadas, medidas protetivas homologadas e que foram concedidas por autoridade policial, ou revogadas e concedidas por autoridade policial. Considerando essas outras situações, o Rio Grande do Norte teve em 2023 um total de 9.889 medidas protetivas; 13.572 em 2024; e uma parcial de 4.980 até abril deste ano. Segundo Fábio Ataíde, as equipes também enfrentam o desafio de conseguir dar conta do trabalho com um aumento mensal de pedidos.

“O volume de entrada de medidas protetivas é crescente, 2% em média ao mês”, diz.

Lanterna

Uma terceira causa da demora apontada pelo CNJ, de acordo com o juiz, é que boa parte das medidas protetivas vêm sem o Formulário Nacional de Avaliação de Risco (FONAR), um documento com informações para auxiliar o juiz na hora de analisar se vai deferir a medida protetiva. No Rio Grande do Norte, segundo ele, são várias as delegacias que não preenchem o FONAR — a exceção fica por conta das unidades especializadas.

“Isso faz com que, muitas vezes, o juiz faça alguma diligência para subsidiar essa informação da medida protetiva. Quando ele baixa em diligência, ele joga o prazo para analisar a medida só uma, duas, três semanas depois que a diligência for realizada. E aí o prazo também sai retardado. Então, também esse é um dos fatores.”

A orientação nesse caso, de acordo com ele, é que o juiz indefira e só depois baixe em diligência, para que depois o processo volte para ele analisar novamente.

Para a delegada Luana Faraj, responsável pela Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (Deam) de Parnamirim, mesmo quando o formulário não é juntado — o que é exceção — essa ausência não deve ser motivo para retardar a análise judicial do pedido.

“Na maioria dos casos, a situação de risco está claramente demonstrada nas declarações da vítima e em documentos anexados, como depoimentos de testemunhas, exames de corpo de delito e registros fotográficos”, explica.

“A garantia da incolumidade física e psicológica dessa mulher, com a concessão das medidas protetivas de urgência, deve ser tratada com prioridade, em detrimento de uma questão formal que pode ser sanada posteriormente. O ideal seria que o juiz defira imediatamente o pedido de proteção e, apenas após, concedesse prazo para a juntada do FONAR, assegurando assim a proteção célere e eficaz da vítima” diz.

Desafios

Segundo a delegada, o maior desafio enfrentado pelas mulheres ao buscarem uma medida protetiva, na maioria das vezes, é a falta de conhecimento sobre o funcionamento prático da Lei Maria da Penha.

“Muitas vítimas têm dúvidas quanto à efetividade das medidas protetivas de urgência e sobre como se desenvolve tanto o trabalho das delegacias quanto o trâmite judicial”, aponta.

De acordo com Faraj, em geral, as medidas mais solicitadas são: o afastamento do agressor do lar, a proibição de se aproximar da vítima e de sua residência, além da proibição de manter qualquer tipo de contato, inclusive por meios digitais.

O juiz Fábio Ataíde explica que não existe prazo pré-fixado para medida protetiva; eles são definidos pela própria situação de risco.

“Então, uma medida protetiva pode durar um, dois anos. E durante o cumprimento dessa medida, os descumprimentos são levados para um processo de apuração”, diz ele.

Feminicídios no Rio Grande do Norte

Um total de 253 mulheres foi vítima de feminicídio no Rio Grande do Norte entre 2015 e 2024, segundo levantamento realizado pela Coordenadoria de Informações Estatísticas e Análises Criminais da Segurança Pública e da Defesa Social (Sesed). Neste ano, foram mais 11 mortes até 16 de junho.

Depois de uma sequência de quedas no número de casos de feminicídio entre 2015 e 2020, o estado passou por um período de instabilidade, com um pico de 24 casos em 2023. No entanto, a alta foi seguida de queda para 19 registros em 2024, um ano após o início da gestão do governo de Fátima Bezerra (PT), o que representou uma diminuição de 20,8%.

Os dados são importantes para avaliar o impacto da Lei do Feminicídio, que em 2025 completou 10 anos. Pela Lei, sancionada em 2015 pela então presidente Dilma Rousseff, foi inserido no Código Penal o crime de homicídio contra mulheres no contexto de violência doméstica e de discriminação. Inicialmente, a legislação previa pena de 12 a 30 anos de prisão, mas o presidente Lula sancionou a Lei 14.994/24 ampliando a pena para o mínimo de 20 e máximo de 40 anos.

Como buscar ajuda

O Ligue 180 é um serviço gratuito e funciona 24h todos os dias e recebe denúncias de violações contra as mulheres. Além disso, o canal de denúncia encaminha relatos aos órgãos competentes e monitora o andamento dos processos.

As vítimas também podem recorrer ao Centro de Referência de Assistência Social (Cras), ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) ou ao Centro de Referência de Atendimento à Mulher (Cram) e às Delegacias Especializadas em Atendimento à Mulher (Deam) do seu município ou região metropolitana.

Para emergências e urgências, ligue 190.

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