Numa votação relâmpago, com 1ª e 2ª discussões numa mesma sessão, a maioria dos vereadores de Natal aprovaram, na manhã desta quinta (28), o Projeto de Lei 302/2024, que trata do uso e ocupação das Áreas Especiais de Interesse Turístico e Paisagístico (AEITPs). Dentre as principais mudanças, em relação ao que a cidade tem atualmente, está a permissão de ocupação da Via Costeira e a construção de prédios de até 30 metros na Redinha (antes o limite era 7,5 metros, o equivalente a dois pavimentos).
“O que está acontecendo aqui é um projeto de classe. Um projeto para expulsar o que resta de trabalhadores na orla da cidade e substituí-los pela elite. Não e a toa que essa gestão Álvaro Dias esperou passar a eleição para colocar de novo em votação esse projeto que, meses atrás, chegou aqui nessa Casa. Era receio do impacto eleitoral”, cravou o vereador Daniel Valença (PT), que votou contra o projeto.
Pela nova regulamentação das AEITPS, serão permitidas construções na área da Via Costeira de Natal, o que antes era proibido. Em alguns trechos, serão permitidas edificações de até 21 metros e altura, o equivalente a sete andares.
“O que se aprova aqui hoje é uma mudança completa do que é a cidade do Natal pra atender ao interesse dos ricos. Aprovar uso misto na Via Costeira, uma região onde nós temos um processo de erosão, uma fragilidade ambiental e a prefeitura consegue ir ao revés, ir no oposto a qualquer debate sério e atualizado sobre proteção do meio ambiente. Daqui a 15…20 anos os parlamentares que aqui estão estarão debatendo uma nova engorda, dessa vez, na Via Costeira para beneficiar meia dúzia de ricos que estarão morando e tendo comércio na Via Costeira”, ironizou Valença.
Em setembro, o Ministério Público Estadual e Federal pediram um levantamento geral para saber a quem pertencem os terrenos daquela região e qual ponto da costa as ondas têm atingido, para entender o grau de erosão na área. A recomendação é criar a Zona de Amortecimento do Parque Estadual das Dunasque deve abranger uma área de aproximadamente 132 hectares, que se estende de Areia Preta até Ponta Negra. Mas a questão não foi considerada durante a votação na Câmara Municipal.
“O Plano Diretor, e já teve um conflito muito grande nessa Casa, autorizou prédios acima do nível do meio fio de dois…três andares. Agora, vai para 21 metros, ou seja, prédios de até sete andares. O que pode surgir na Via Costeira é uma barreira de prédios de sete andares, o que pode impedir completamente a ventilação da cidade” argumentou Robério Paulino.
“Um dos ativos de Natal é quando o turista passa por ali e se encanta com a visão do Morro do Careca, Da mesma forma que no Rio de Janeiro um turista sobe no bondinho e vê a cidade de cima e diz ahhhh… porque a beleza da cidade do Rio de Janeiro de cima é uma coisa impressionante. E qual o principal ativo de beleza de Natal? É o Morro do Careca! Agora já era! Imagine uma barreira de prédios que vai atender o interesse exclusivo de quem pode pagar e das construtoras que vão fazer prédios ali. Quem vai poder comprar um apartamento lá? É a população da Zona Norte? Da Zona Oeste? É a população pobre que vai se beneficiar de qualquer imóvel lá na Via Costeira?”acrescentou Paulino.
Alguns vereadores usaram o argumento de que as construções trarão “desenvolvimento” e “empreendedorismo” para a cidade.
“Eu quero dizer que eu sou a favor do desenvolvimento da cidade do Natal, da construção civil, mas não a todo custo. Segundo informações existentes, tanto a defesa civil estadual, quanto municipal caracteriza aquela área da Ponta do Morcego como área de falésias ativas e segundo a lei federal 12.651, nesses locais não é permitido construções”, lembrou o também vereador Milklei Leite (PV).
Apesar dos questionamentos levantados durante a votação, o projeto de lei foi aprovado pela maioria dos parlamentares.
“É falado aqui que o Plano Diretor gerou recursos… mas quem está lá em Nazaré continua com a Unidade de Saúde fechada, quem está no Planalto continua com a Unidade de Saúde fechada, quem tem criança continua com as creches sem vaga. Eu não vejo mudança nenhuma na vida do povo natalense em função dos recursos que teriam sido gerados. Gostaria muito que esses recursos tivessem ido para melhorar a vida do povo”, encerrou Daniel Valença.
O que mudou?
“Com toda situação de fragilidade geológica e o fato de ter falésias na Ponta do Morcego, insistiram em permitir 65m lá. É insano. Como falésia é uma APP – Área de Preservação Permanente – e terreno não edificante a 100m da borda, segundo o Código Florestal, lei federal 12.651, vai haver judicialização e o mapa que define e concentra os gabaritos da AEITP 3 pode cair por inteiro, causando insegurança jurídica. Na AEITP2, da Via Costeira, mantiveram os 15m a partir da calçada. A novidade é que o empreender terá que custear o reforço na linha de erosão para proteger o empreendimento. Na AEITP1 teve a mudança que permite prédios de 21m no núcleo onde tinha o Guinza, entre o Centro de Convenções e a avenida Engenheiro Roberto Freire. Na AEITP4, Redinha, nada mudou. Permitindo prédios de 30m, 10 andares, em qualquer ponto da poligonal, inclusive, na borda. Uma burrice não aproveitarem para ampliar o gabarito no grande terreno municipal ao lado da ponte, até 60m e diminuir nas bordas. A prefeitura teria mais ativo para permutas. A AEITP 5 (Guarapes)se mantém a aberração de 7,5m … inclusive nas dunas. Parece que querem criar uma nova favela lá e destruir o que a AEITP deveria proteger”, avalia o ambientalista Milton França, que assistiu a votação presencialmente.
“O prefeito Álvaro Dias quer elitizar a orla com este projeto das AEITPS. Em Ponta Negra, por exemplo,
vão ser permitidas construções tomando como referência o ponto mais alto da Avenida Engenheiro Roberto Freire sem realizar estudos prévios de impacto da paisagem e ventilação da cidade. Isso cobrirá visualmente o Morro do Careca em vários pontos ao longo da Av. Roberto Freire.
Na Via Costeira, é ainda pior porque permitirá intensificar a ocupação por construções de dois pavimentos a partir do ponto mais alto da Avenida da Via Costeira sem realizar estudos prévios de impacto da paisagem, ventilação da cidade e o avanço do mar.
Na Ponta do Morcego, Álvaro Dias quer permitir construção de 140m na Orla de Areia Preta inclusive em parte que era da Zona de Proteção Ambiental -10. Além de permitir mais 63 pavimentos na Ponta do Morcego.
Por fim, na Redinha Álvaro Dias quer dar permissão para verticalizar em todo o território até 30m (10 pavimentos) indiscriminadamente sem preocupação de impactos prejudiciais a ventilação da cidade, os pescadores ou às comunidades carentes presentes“, resumiu Daniel Valença.
Código de Obras
Outro projeto aprovado nesta quinta, porém apenas em 1ª discussão, foi o Projeto de Lei Complementar 14/2024, que trata do Código de Obras da cidade. O projeto entrou na pauta do dia depois das 23h da quarta (27), fato que não passou despercebida entre a oposição, que destacou a estratégia do Executivo do prefeito Álvaro Dias (Republicanos) no plenário da Casa.
Como os parlamentares foram pegos de surpresa, a presidência da Mesa, presidida pela vereadora Nina Souza (União Brasil), optou por fazer um acordo e garantir apenas a 1ª discussão nesta quinta, deixando o projeto para ser votado em 2ª votação na próxima quinta (5), para que os vereadores tenham tempo de conhecer o conteúdo da proposta e encartar emendas.