27.1 C
Ouro Branco

TJRN derruba cota para pessoas trans e ignora desigualdades históricas

Anúncios

Getting your Trinity Audio player ready...

Sancionada em 2023, a Lei Estadual nº 11.587 representava um passo importante para a promoção da equidade no mercado de trabalho do Rio Grande do Norte. A norma previa que empresas privadas beneficiadas com incentivos fiscais ou que mantivessem contratos e convênios com órgãos públicos estaduais deveriam reservar, no mínimo, 5% de suas vagas para pessoas autodeclaradas travestis e transexuais.

O objetivo era claro: enfrentar, com ações concretas, a exclusão histórica imposta a essa população, frequentemente empurrada para a marginalidade e alvo de violência extrema. O Brasil segue liderando o ranking global de assassinatos de pessoas trans, e a sub-representação no mercado formal de trabalho é uma das muitas faces dessa realidade brutal.

“A ideia é promover a igualdade material e superar a discriminação dentro do mercado de trabalho, dando oportunidade para uma população que costuma ser silenciada”, argumentou a deputada estadual e autora da lei, Eudiane Macedo (PV), à época da tramitação da matéria na Assembleia Legislativa.

A legislação também garantia o respeito à identidade de gênero no ambiente profissional, incluindo o uso do nome social, a liberdade de vestir-se conforme sua identidade, acesso a banheiros condizentes com sua vivência e proteção contra discriminação relacionada à expressão de gênero. As empresas que desrespeitassem as regras poderiam perder os benefícios fiscais ou convênios firmados com o Estado.

Para Geja Muniz, pessoa trans não-binária e militante do Coletivo Cores (Coletivo Revolucionário Socialista LGBT), a decisão “mais uma vez, a Justiça cisnormativa empurra nossos corpos para as margens da sociedade. Mais do que um descaso absurdo, essa decisão é um atestado de que o Rio Grande do Norte ainda acredita em um acesso à educação e ao trabalho marcado pela segregação, e não pela libertação”, critica.

Além disso, a lei incentivava a articulação de parcerias entre o poder público, organizações da sociedade civil e agências de emprego, com o objetivo de ampliar a empregabilidade trans no estado, priorizando pessoas em situação de vulnerabilidade social. Se não houvesse pessoas qualificadas para as vagas, elas poderiam ser revertidas ao público geral, preservando a razoabilidade da medida.

Apesar desse arcabouço construído em diálogo com os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade material, a legislação foi considerada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. A decisão, impulsionada por ação da Federação das Indústrias do RN (FIERN) e outras entidades empresariais, alegou que a norma invadia competências da União ao tratar de direito do trabalho e regras de contratação pública.

A anulação da lei joga por terra uma política pública que buscava corrigir distorções profundas no acesso à cidadania e à autonomia econômica de uma população sistematicamente excluída. Com isso, o Judiciário potiguar opta por uma leitura tecnicista da Constituição, desconsiderando o papel transformador que políticas afirmativas podem e devem exercer em contextos de desigualdade extrema.

Essa revogação da medida contrapõe o debate sobre os limites entre a proteção formal da lei e a necessidade urgente de justiça social. Para movimentos sociais e especialistas em direitos humanos, a decisão do TJRN é um retrocesso grave que evidencia a dificuldade do sistema de justiça em reconhecer e enfrentar as opressões estruturais que afetam pessoas travestis e transexuais no Brasil. A justificativa jurídica ignora uma realidade social alarmante: a exclusão sistemática de pessoas trans do mercado de trabalho formal. De acordo com dados da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), mais de 90% das travestis e transexuais brasileiras não conseguem acessar empregos formais, sendo empurradas para a marginalidade, com graves consequências para suas condições de vida e dignidade humana.

Confira o conteúdo original aqui!

Mais artigos

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Últimos artigos