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Supremo Tribunal Federal e a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet

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No dia 4 de junho de 2025, o plenário do STF retomou o julgamento, iniciado em novembro de 2024, sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965). Aprovado em 2014, define os direitos e deveres para o uso da internet no país. O artigo trata da responsabilidade dos provedores de internet por conteúdo de terceiros e estabelece que a responsabilização judicial das empresas para remoção de conteúdos só com ordem judicial (como ocorreu em 2024 em relação ao X e Rumble, suspensos justamente por descumprir a legislação brasileira).

Diz o artigo: “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após decisão judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.

Portanto, sem decisão judicial específica, os provedores de internet, websites e gestores de redes sociais ficam isentos de responsabilidade sobre o conteúdo compartilhado pelos usuários.

O julgamento dos recursos para analisar a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet foi incluído na pauta do STF em maio de 2023, mas a pedido dos ministros relatores dos recursos, Dias Toffoli e Luiz Fux, foi adiada porque naquele momento havia a possibilidade de aprovação pela Câmara dos Deputados do PL das fake news (que não ocorreu).

O julgamento é sobre  dois Recursos Extraordinário que  foram protocolados pela Google Brasil Internet S.A(RE 1057258), e está sob a relatoria do ministro Luiz Fux e trata de julgar se uma empresa que hospeda sites na internet tem a obrigação de fiscalizar o conteúdo publicado e de retirá-lo do ar quando considerado ofensivo, sem necessidade de intervenção da Justiça. E o outro (RE 1037396) com relatoria do ministro Dias Toffoli, trata da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que exige ordem judicial prévia e específica de remoção de conteúdo para que provedores de internet, websites e gestores de redes sociais sejam a responsabilizados por danos decorrentes de atos ilícitos executados por terceiros (usuários das plataformas).

A decisão do STF, no julgamento dos dois recursos, portanto, é sobre a responsabilização das plataformas digitais por conteúdos ilícitos publicados por usuários, a menos que haja ordem especifica da justiça, conforme o artigo 19 do Marco Civil da Internet.

O julgamento foi retomado em novembro de 2024. No entanto, depois dos votos de três ministros, Dias Toffoli, Luiz Fux e do presidente da STF Luis Roberto Barroso, André Mendonça pediu vista e  o julgamento só retornou no dia 4 de junho de 2025.

No dia 5, o ministro André Mendonça leu o seu voto, divergindo dos três que haviam votado (a favor da inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet e da responsabilização das plataformas), se posicionando a favor da constitucionalidade do artigo 19. Após seu voto, o julgamento foi suspenso e ainda não tem data para ser retomado.

No entanto, pelos pronunciamentos públicos dos ministros Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Carmem Lucia, além de Edson Fachin e Cristiano Zanin, deve prevalecer majoritariamente no STF, o entendimento da inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet.

Os argumentos dos ministros que votaram pela inconstitucionalidade do artigo 19  são que, caso ele seja mantido, caberia apenas as Grandes técnicos a decisão de remoção ou não de conteúdos ilícitos, sendo, portanto livre de responsabilidade civil, como em casos de uso das redes sociais para pregações racistas, homofóbicas, transfóbicas, misóginas, pedófilas, discursos de ódio, incitamento a golpe de Estado e outros crimes.

Para o ministro Dias Toffoli, em seu voto, quando houver a constatação de crimes, basta à notificação, e as redes devem retirar as publicações sob pena de responsabilização penal, como, entre outros, crimes contra o Estado Democrático de Direito, atos de terrorismo, crime de racismo, violência contra criança, adolescentes e pessoas vulneráveis, incitação ou ameaça da prática de atos de violência física ou sexual, divulgação de fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados, tráfico de pessoas etc.

No voto do presidente da STF, ministro Luis Roberto Barroso, ele afirma que “as redes devem retirar postagens com conteúdo envolvendo pornografia infantil, suicídio, tráfico de pessoas, terrorismo e ataques à democracia. A medida deve ser tomada após as empresas serem notificadas pelos envolvidos”.

É importante destacar que a decisão dos ministros foi antecedida por muitos debates, dentro e fora do Congresso Nacional. Não se trata, portanto, de um debate recente, nem específico do parlamento e do próprio Supremo Tribunal Federal. Exemplo disso foi a realização de audiências públicas entre os dias 28 e 29 de março de 2023 , cujo objetivo foi o de possibilitar “o equilibro entre os diferentes pontos de vistas” e “subsidiar a Corte com informações técnico-cientificas sobre as questões em análise e estimular o debate
entre os diversos pontos de vista técnicos e jurídicos, bem como entre as diversas representações institucionais”.

Entre outros participantes estiveram presentes representantes do Facebook, do Google Brasil Internet Ltda., da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, da Frente Parlamentar Mista da Economia e Cidadania Digital, do então Twitter Brasil, (hoje, X), da Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia, da Advocacia-Geral da União, da Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais, da Ordem dos Advogados do Brasil e do Instituto de Defesa de Consumidores.

Uma questão relevante no julgamento é o de saber se a decisão deveria ser da competência apenas do Legislativo. A resposta é não, porque não se trata de criação de uma lei, mas sobre a constitucionalidade de um artigo do Marco Civil da Internet. No momento há que se pode chamar de “vácuo regulatório”. A regulamentação das plataformas digitais está em debate no Congresso Nacional desde 2020 e em 2022, o Senado aprovou um projeto para regulamentar as redes. A proposta foi enviada à Câmara, e até hoje não foi votada.

O STF decide sobre um tema que está de acordo com suas atribuições e competências constitucionais, cujo objetivo é o de proteger os cidadãos, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição, que são ameaçados pela disseminação de conteúdos ilícitos na internet e nas redes sociais.

Há também um posicionamento claro do governo nesse sentido, não apenas por parte do presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, que tem se pronunciado a favor da regulação das redes, como a Advocacia-Geral da União (AGU) que no dia 27 de maio de 2025, apresentou uma petição ao STF sobre a aplicação de medidas judiciais contra recorrentes casos de desinformação e omissão das plataformas na remoção de conteúdos ilícitos e defende que cabe a revisão do artigo 19 do Marco Civil da Internet em relação à responsabilização das plataformas sem que haja decisão judicial.

É evidente que as plataformas são contra a regulação (e tem seus aliados dentro e fora do Congresso Nacional). Em uma nota sobre o tema o Google afirmou que”Abolir regras que separam a responsabilidade civil das plataformas e dos usuários não contribuirá para o fim da circulação de conteúdos indesejados na internet. O Marco Civil da Internet pode e deve ser aprimorado, desde que se estabeleçam garantias procedimentais e critérios que evitem insegurança jurídica e a remoção indiscriminada de conteúdo. E que O Google remove, com eficiência e em larga escala, conteúdos em violação às regras de cada uma de suas plataformas. São centenas de milhões de conteúdos removidos por ano pela própria empresa, em linha com as regras públicas de cada produto”.

E para a Meta a declaração de inconstitucionalidade do artigo 19 terá como implicações o fato de que “as plataformas digitais seriam sujeitas a um regime amplo de notificação e remoção e, ao mesmo tempo, poderiam ser responsabilizadas por praticamente todos os tipos de conteúdo mesmo sem que tenham sido notificadas”.

Não é este o entendimento dos que têm defendido a inconstitucionalidade do artigo 19, como o ministro Alexandre de Moraes, uma das vítimas de criminosos que usam as redes sociais para esses fins. Ao se referir a   autorregulação das redes, como elas e seus defensorestem argumentado, para ele, “é faticamente impossível defender, após o 8 de janeiro de 2023, que o sistema de autorregulação das Grandes técnicos funciona” e se referiu a sua “falência total e absoluta” para a autorregulação, salientando ainda sua inegável instrumentalização e que plataformas não estão preocupadas com a democracia e o Estado Democrático de Direito. Daí a necessidade de sua regulação.

Não se trata de censura ou tolher a liberdade de expressão, com afirma à extrema direita dentro e fora do Parlamento, e os aliados das Grandes técnicosmas de combater crimes. Como disse o ministro Gilmar Mendes em um evento organizado pela Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) no inicio de junho de 2025: “Regular as redes sociais não é tolher, ou de qualquer forma mitigar o direito fundamental à liberdade de expressão”.

Nesse sentido, não é a liberdade de expressão que está em julgamento. E não se está votando uma Lei (atribuição do Congresso Nacional), mas a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de um artigo (19) do Marco Civil da Internet.

Em relação ao julgamento do artigo 19, o ministro Luis Roberto Barroso afirmou que “chegou a hora de o Supremo decidir a matéria e que a Corte aguardou por um período bastante razoável a sobrevinda de legislação por parte do Poder Legislativo e, não ocorrendo, chegou a hora de decidirmos essa matéria”.

Para o ministro, o judiciário não está legislando e muito menos regulando em caráter geral, abstrato e definitivo as plataformas digitais (…) os critérios adotados pelo Tribunal para decidir os casos trazidos perante ele (como é o caso dos dois Recursos Extraordinários) só prevalecerão até que o Congresso Nacional legisle se e quando entender que deve legislar a respeito”. Para ele, há muita desinformação, muita incompreensão a propósito do que faz e deve fazer. O que se está julgando são pretensões que chegaram ao tribunal por via de recursos, ações propostas em instâncias inferiores em recurso para o Supremo Tribunal Federal.

Nesse sentido, não se está legislando. O dever do STF, como salientou o ministro,  nada tem a ver com a invasão à competência dos outros Poderes e muito menos com censura, mas de decidir de acordo com os princípios constitucionais e em defesa do Estado Democrático de Direito.

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