Em uma semana, a Americanas trocou de presidente, viu suas ações desabarem na Bolsa e se tornou alvo de processos na Justiça. Mas o que causou essa reviravolta no dia a dia da empresa? E como isso vai afetar investidores, trabalhadores e clientes?
O que aconteceu com a Americanas?
- No dia 11 de janeiro, após o fechamento do mercado, Sergio Rial, que havia assumido o cargo de CEO da companhia há apenas nove dias, anunciou sua renúncia depois de encontrar “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões nos balanços da empresa de 2022 e de anos anteriores. No lugar dele, foi indicado um interino. O recém-empossado diretor de Relações com Investidores, André Covre, também deixou o cargo.
A empresa faliu?
- Não. A varejista segue em operação com vendas em lojas físicas e on-line, mas concentra esforços na gestão do negócio. Na semana passada, ela deixou de ser patrocinadora do Big Brother Brasil e foi substituída pelo Mercado Livre. No momento, ela tenta chegar a um acordo com os credores. Se isso não for possível, a saída seria recorrer a uma recuperação judicial.
Como os R$ 20 bilhões em “inconsistências contábeis” desapareceram dos balanços da companhia?
- O problema ocorreu em uma operação comum entre varejistas, chamada de “risco sacado”. A empresa pega empréstimos com bancos para comprar material de fornecedores. Os bancos antecipam o valor ao fornecedor, e a varejista quita a dívida com a instituição financeira pagando juros pelo prazo do empréstimo.
- A “inconsistência contábil” ocorreu porque isso não foi registrado corretamente no balanço. Elas foram descritas como despesas com fornecedores, mas deveriam ter sido computadas como dívidas financeiras.
Houve erro ou fraude?
Não se sabe ainda se o que ocorreu foi uma falha que durou vários anos ou se houve fraude. A empresa anunciou a criação de um comitê independente que será responsável por averiguar como isso aconteceu.
Como corrigir a “inconsistência contábil”?
- A empresa terá de republicar balanços e reconhecer a dívida. Ao fazer isso, haverá mudança no grau de endividamento. O problema é que os contratos da varejista com bancos incluem cláusulas de garantias. A mudança nestes indicadores financeiros funciona como um gatilho, que permite o vencimento antecipado de dívidas com bancos.
Afinal, qual é o tamanho do rombo na Americanas?
- Inicialmente, era de R$ 20 bilhões. Mas a empresa já citou risco de vencimento antecipado de R$ 40 bilhões em dívidas. O valor total ainda será fechado por uma auditoria.
Como o auditor não percebeu a diferença bilionária no balanço?
- Informações preliminares indicam que o erro nas contas não se restringiu a 2022 e poderia chegar a um período de cinco a dez anos. Nos últimos anos, as contas da Americanas foram auditadas pela PwC e antes disso pela KPMG. As duas empresas afirmam que não comentam o caso por sigilo contratual.
Como o mercado reagiu ao rombo nas contas da Americanas?
- No dia seguinte ao anúncio das “inconsistências contábeis”, a quinta-feira, dia 12, as ações da Americanas recuaram 77,3% e fecharam a R$ 2,72. Foi a maior queda de uma empresa da carteira do Ibovespa, índice de referência dos investidores, desde 1994, segundo o Valor Data.
- Os investidores refletiram a queda de confiança na companhia após o anúncio do rombo nas contas, o que afeta a reputação da marca.
Qual é a saída para a crise?
- Na avaliação de investidores e credores da companhia, a Americanas precisará de uma injeção de capital. A companhia tem como acionistas de referência os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, fundadores da 3G Capital. Os três contam com uma participação de 31,13% na companhia.
- Desde que o escândalo foi revelado, eles se manifestaram a favor de apoiar a companhia. O problema é definir qual valor deve ser aportado e como isso seria feito.
- Até agora, o que se espera é que seja feita uma oferta secundária de ações (follow on) com garantia de compra de papéis pelos acionistas de referência. Mas, segundo fontes, os credores têm cobrado um aporte maior do que o que os acionistas estariam dispostos a fazer.
Como a Americanas pode levantar capital para enfrentar a crise?
- Analistas afirmam que a Americanas pode se desfazer de aquisições recentes que não são ligadas ao negócio principal da empresa. Entre os nomes mais citados estão o Hortifruti e a rede Natural da Terra. Outra alternativa seria a rede VEM, de lojas de conveniência, um negócio em parceria com a Vibra (antiga BR Distribuidora).
- Mas mesmo se desfazendo destas empresas, a avaliação é que a Americanas precisará de uma injeção de capital dos sócios.
O que a Americanas fez para evitar que os credores cobrassem o que ela devia antecipadamente?
- A varejista entrou na Justiça e obteve uma medida cautelar na última sexta-feira, dia 13, que suspende qualquer possibilidade de bloqueio ou sequestro de bens por um período de 30 dias. A decisão da 4ª Vara Empresarial do Rio vai além e proíbe o arresto, penhora, sequestro de bens a partir do dia 11, quando a empresa informou o rombo bilionário nos balanços de anos anteriores.
- A Justiça também determinou que precisam ser mantidos contratos e linhas de crédito em vigor. De acordo com a decisão, ao final desse período a empresa pode entrar com um pedido de recuperação judicial. Se não o fizer, a medida perde a eficácia.
- Até agora, a Americanas tem afirmado que busca evitar a recuperação judicial e que pretende negociar com credores um acordo satisfatório para todos.
Por que a Justiça suspendeu a execução de dívidas?
- A Americanas argumentou que a medida seria necessária para garantir a viabilidade da operação da companhia, que responde por mais de cem mil postos de trabalho, considerando empregos diretos e indiretos. Lembrou ainda que tem 146 mil acionistas.
Como os credores reagiram à decisão?
- A decisão da Justiça pegou o mercado e os credores de surpresa e azedou o humor nas negociações. Os credores argumentam que a empresa deveria ter feito uma negociação direta e não buscado proteção judicial. Ao menos três bancos recorreram à Justiça para tentar liberar a cobrança de dívidas: BTG, Bank of America e Banco Votorantim.
Por que o BTG iniciou uma batalha judicial contra a Americanas?
- Porque o banco exerceu o direito de resgatar os recursos e já havia recuperado R$ 1,2 bilhão em dívidas, mas foi obrigado a devolver o dinheiro após a decisão da Justiça. O banco tem apresentado uma série de recursos contra a empresa na Justiça e mudou o tom, falando em fraude e jogando as atenções sobre os principais acionistas.
- “Os três homens mais ricos do Brasil (com patrimônio avaliado em R$ 180 bilhões), ungidos como uma espécie de semideuses do capitalismo mundial ‘do bem’, são pegos com a mão no caixa daquela que, desde 1982, é uma das principais companhias do trio”, diz parte do recurso apresentado à Justiça. Além da via judicial, o banco decidiu recorrer a um processo de arbitragem para reaver o dinheiro.
Por que a crise da Americanas está afetando também os fundos de investimento?
- A crise da Americanas está tendo impacto não só para quem comprou ações da companhia, mas até para investidores em títulos de renda fixa. De acordo com levantamento da plataforma Com dinheiro, existem 31,7 milhões de cotistas de fundos com alguma exposição a títulos de dívida da Americanas.
- Uma mesma pessoa pode ser cotista de mais de um fundo, mas isso dá a dimensão do alcance da crise. Um dos casos mais citados foi o do Nu Reserva Imediata, um fundo de renda fixa do Nubank com 1,3 milhão de cotistas, que apresentou rentabilidade negativa após o anúncio do rombo na Americanas.
- A aplicação é voltada para quem pretende construir uma reserva de emergência e busca retorno melhor que o da poupança.
- Mas para alcançar essa meta, ele tem mais de 20% da carteira formada por títulos corporativos, entre eles, papéis da Americanas. Em nota, o Nubank informou que a parcela de investimento em debêntures (títulos de dívida) das Americanas já foi revista pela Nu Asset Management.
Como os fornecedores estão lidando com a crise da empresa?
- Parte da indústria e dos vendedores na plataforma começou a rever procedimentos. Alguns pararam de fornecer produtos enquanto aguardam a definição do aporte de capital dos sócios da empresa, outros passaram a cobrar o pagamento à vista.
- A Americanas informou que seguirá pagando seus compromissos e obrigações com fornecedores criteriosamente e que tem uma forte relação de colaboração com parceiros e fornecedores ao longo de 90 anos.
Como fica a situação dos trabalhadores?
- Não houve qualquer anúncio de mudança do efetivo. Nas redes sociais, porém, há relatos de preocupação com o futuro da companhia e com os postos de trabalho, votos de confiança na capacidade de recuperação da varejista e mensagens de solidariedade de outros profissionais.
Como fica a situação do consumidor?
- De acordo com a Americanas, a operação da companhia segue normal, com vendas no site e nas lojas físicas. Ontem, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão ligado ao Ministério da Justiça, notificou a empresa para prestar esclarecimentos sobre a “crise de inconsistências contábeis”.
- Na semana passada, o Procon-SP já havia cobrado explicações se o caso teria impacto para o consumidor, se as compras seriam comprometidas e pedindo mais detalhes.
O que pode acontecer com a empresa agora?
- Ela pode fechar acordo com credores, mas na avaliação de analistas, pode ter que entrar com um pedido de recuperação judicial para enfrentar a crise.