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O Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação civil pública em que pede a suspensão imediata da íntegra ou de trechos de leis aprovadas nos últimos anos que podem enfraquecer a Via Costeira. Entre as normas contestadas, estão o Plano Diretor de Natal e a lei que amplia construções na região.
A ação foi movida contra o município de Natal, a Câmara Municipal de Natal, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte e o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema/RN) e questiona legislações de âmbito municipal e estadual que, segundo o MPF, contrariam a legislação federal (como o Código Florestal e a Lei da Mata Atlântica), além de licenças concedidas sem o devido respaldo ambiental e legal.
As legislações questionadas, na íntegra ou trechos, incluem o Plano Diretor de Natal (Lei Complementar nº 208/2022); a Lei Municipal nº 7.801/2024; a Lei Estadual nº 12.079/2025; e a Instrução Normativa Municipal nº 002/2025-GS/Semurb. O MPF também aponta as alterações previstas no Projeto de Lei nº 662/2025, que altera a Lei Municipal nº 7.202/2021.
Uma dessas legislações, a Lei nº 7.801/2024, tramitou em regime de urgência e alterou as regras para construções nas chamadas Áreas Especiais de Interesse Turístico e Paisagístico (AEITP), nas quais se insere a Via Costeira de Natal. A nova regra permite intervenções em terrenos atualmente vazios, localizados em áreas de preservação permanente e que deveriam permanecer ‘não edificáveis’ por sua importância ecológica.
Já a Lei nº 12.079/2025, promulgada em fevereiro deste ano, altera a legislação vigente sobre o “Projeto Parque das Dunas/Via Costeira” e adapta as normas ao atual Plano Diretor de Natal.
De acordo com o MPF, o objetivo central é impedir que mudanças recentes nas leis e normas municipais e estaduais abram caminho para a ocupação desordenada, colocando em risco a integridade ambiental desse trecho da capital potiguar.
O órgão também solicita que a Justiça suspenda as licenças concedidas para a região pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) ou Idema após a entrada em vigor do novo Plano Diretor (7 de março de 2022), com exceção das que comprovem se enquadrar nas regras do Código Florestal. Requer ainda que seja proibida a emissão de novas licenças ou alvarás de construção que violem as regras das áreas de preservação ambiental e que os dois órgãos ambientais promovam a devida fiscalização da área.
Uma das cobranças é a formulação de um Plano de Proteção e Gestão Ambiental da Via Costeira de Natal, que deve abranger medidas de proteção e de recuperação das áreas de preservação permanente, adaptação e mitigação dos efeitos da erosão, e que tenha participação social e consulta a especialistas em sua elaboração
“Frustradas as diversas tentativas de solução extrajudicial — que envolveu a realização de reuniões, estudos, recomendações, audiência pública e diversas comunicações —, não restou alternativa ao Ministério Público Federal senão a propositura da presente ação judicial, a fim de evitar a perpetuação e a intensificação de danos irreversíveis ao patrimônio público e ambiental, bem como proteger o direito das presentes e futuras gerações a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, nos termos da Constituição Federal”, afirmam os procuradores da República Camões Boaventura e Victor Mariz, autores da ação.
Ação da Prefeitura violou interesse da população, apontam procuradores
A apuração do MPF foi iniciada a partir de representação encaminhada por mais de 20 organizações da sociedade civil, entre elas o Fórum Direito à Cidade, vinculado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo e ao Instituto de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o Coletivo Salve Natal e o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU).
Em setembro de 2024, o MPF e o Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) expediram uma recomendação conjunta para suspensão de novas autorizações ou licenças de construção até a conclusão de diagnósticos técnicos e ambientais na Via Costeira. No entanto, os gestores não acataram os pedidos.
Os procuradores afirmam que, pelo contrário, a Prefeitura do Natal publicou, em outubro deste ano, a instrução normativa que flexibiliza ainda mais as regras de licenciamento para empreendimentos na região — seja de uso residencial ou comercial — e relativiza o dever de garantir acesso público à praia, o que violaria o interesse da população.
Em junho deste ano, o MPF e o MPRN realizaram uma audiência sobre o caso. A manifestação dos cidadãos, segundo o MPF, foi no sentido de que a Via Costeira deve ser destinada ao interesse da coletividade, com prioridade para esporte, lazer, contemplação, preservação paisagística e ambiental, e não para novos grandes empreendimentos privados.
Riscos
A Via Costeira abrange mais de 1,3 milhão de metros quadrados, com aproximadamente 9 km de extensão entre as praias de Ponta Negra e Areia Preta. Essa área é hoje ocupada parcialmente por hotéis e empreendimentos de turismo, porém ainda possui diversos terrenos sem construções.
Estudos técnicos, incluindo laudos produzidos por especialistas do MPF e por peritos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), atestam que a Via Costeira é formada por áreas de preservação permanente, compostas predominantemente por ecossistemas de restingas e dunas.
Essas formações contribuem no controle da erosão, atuando como barreiras naturais e reservatórios de sedimentos, protegendo a costa; permitem a infiltração eficiente da água da chuva, recarregando os aquíferos subterrâneos; e, especificamente a restinga, é um importante berçário de espécies marinhas e costeiras, favorecendo a diversidade da fauna e da flora.
A ocupação intensiva, alertam os estudos, pode ampliar os processos erosivos, com o risco de danos irreversíveis e inestimáveis. O cenário é reforçado pela situação da vizinha praia de Ponta Negra, que pertence à mesma enseada da qual faz parte a Via Costeira, e onde a erosão já demandou a implantação de um aterro hidráulico (‘engorda’), a um custo superior a R$ 110 milhões.
Dados registrados no Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima) desse aterro hidráulico indicam que a erosão avança exatamente em direção à Via Costeira. Outro ponto relevante diz respeito aos possíveis efeitos negativos relacionados ao Parque das Dunas, localizado vizinho à área. Maior reserva de mata atlântica sobre dunas do Brasil e segundo maior parque urbano do país, ele também pode sofrer consequências decorrentes da ocupação intensiva da orla.
Cenário crítico
O MPF destaca também que a intensificação dos eventos climáticos extremos e o aumento do nível do mar, amplamente documentados por estudos científicos, devem ser considerados na legislação que define os parâmetros de uso e ocupação do solo na Via Costeira.
“É fundamental priorizar a adaptação, mitigação e reversão das atividades impactantes, em vez de acelerar o uso desses espaços de maneira incompatível com os parâmetros constitucionais e legais, agravando o já crítico cenário atual”, diz trecho da ação.
A análise pericial aponta que a Via Costeira — além das infraestruturas que já existem em sua área — faz fronteira com os bairros de Areia Preta e Praia do Meio, o que aumenta as preocupações com riscos de desastres e segurança populacional, já que os territórios são especialmente suscetíveis aos processos erosivos e de movimento de massa.
Na ação, o órgão ressalta ainda a urgência da suspensão das leis, diante da possibilidade concreta de prejuízos difíceis ou mesmo impossíveis de reparar ao meio ambiente, à biodiversidade e à segurança da população. Além do risco de desastres ambientais a partir das modificações produzidas na área, já se identifica a grande pressão imobiliária sobre a Via Costeira. Eventual demora na solução do caso pode causar prejuízo ao patrimônio público pelo elevado custo da reparação de danos ambientais e estruturais complexos e pelo desvio de recursos que poderiam ser aplicados em medidas preventivas.
O MPF indica também que o interesse público será onerado duplamente. As áreas desocupadas, que hoje funcionam ajudando a conter os danos decorrentes do avanço do mar, receberão edificações que atenderão a interesses estritamente privados, deixando de cumprir esse papel protetor. Por consequência, para que as construções particulares não sucumbam ao avanço do mar, serão necessários novos gastos de recursos públicos – em obras de contenção ou mesmo mais uma engorda.
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