Mais de 350 milhões de cidadãos, de 27 países, vão às urnas para escolherem os representantes do bloco, mas é nas duas nações ibéricas que a extrema direita explode
De LISBOA | O projeto que resultou na criação da União Europeia, naquela longínqua assinatura do Tratado de Maastricht, em 1992, e que entrou em vigor no ano seguinte, deveria ser especialmente motivo de comemoração até hoje para Portugal e Espanha, afinal, os dois países que dividem a Península Ibérica foram as duas últimas ditaduras fascistas da Europa, encerradas respectivamente em 1974 e 1975. Quase 20 anos depois de abandonarem o isolamento e o atraso (político, social e econômico), as duas nações passariam a integrar o grandioso e potente bloco, o que mudou definitivamente seus destinos no mundo. Só que passadas três décadas da formação da União Europeia, o que se vê atualmente é assustador no pedaço de terra mais ocidental do Velho Mundo.
A extrema direita cresce em todo o continente, mas é impressionante a sua explosão nos territórios português e espanhol. E preocupante. Transcorridos alguns anos do surgimento de figuras como Jean-Marie Le Pen e sua filha, Marine Le Pen, na França, da ascensão do neofascismo italiano, primeiramente com Silvio Berlusconi e agora com Giorgia Meloni, e da consolidação da neonazista AfD, na Alemanha, as duas figuras mais badaladas do ultrarreacionarismo bufo na Europa atendem pelos nomes de André Ventura e Santiago Abascal. O primeiro, líder do Chega, partido extremista português, e o segundo, o chefão do VOX, a legenda espanhola de contornos franquistas.
Se analisarmos a atual legislatura do Parlamento Europeu, uma complexa reunião de 720 deputados de 27 países, com representações proporcionais à população de cada Estado, e reunidos em grupos preestabelecidos e formados por afinidade ideológica, veremos que essas figuras fascistas de Portugal e Espanha não seriam uma preocupação. Do lado português, entre os 21 parlamentares que representam o país, não há nenhum do Chega, enquanto do lado espanhol, com direito a 61 assentos, apenas quatro pertencem ao VOX. Entretanto, chegou ao fim essa legislatura e os europeus vão às urnas entre quinta-feira (6) e domingo (9) para escolherem os novos membros da referida casa de representantes.
Mas de 2019, quando a última eleição para o parlamento europeu ocorreu, até aqui, há um longo caminho e as coisas mudaram muito. Uma sequência de pesquisas realizadas em Portugal por IPESPE Duplimétrica, ICS/ISCTE, Intercampus e Universidade Católica, todas num intervalo de uma semana, trazem um dado semelhante e aterrador: o Chega é a terceira força política lusa (o que, de fato, já havia se comprovado nas legislativas do último 10 de março), mas agora sairá do zero para pelo menos cinco eurodeputados. Na prática, quase um quarto de todas as 21 cadeiras ocupadas por portugueses em Bruxelas. Há, sim, analistas menos aterrorizados e que garantem que a agremiação terá “apenas” três representantes, ao passo que o próprio Chega, até duas semanas atrás, afirmava crer em quatro eleitos.https://d-12194690182613299.ampproject.net/2405231944000/frame.html
Já na Espanha, onde o VOX também cresce muito, mas num ritmo bem menor que no pequeno vizinho a oeste, as pesquisas mostram algo semelhante. Levantamentos de órgãos como Cluster17, instituto 40dB e Centro de Investigaciones Sociológicas (CIS) revelam que o partido de extrema direita deve pular dos atuais quatro eurodeputados para sete. Ou seja, estará muito perto de dobrar sua representação.
Quando falamos em eleição europeia, o negócio funciona de maneira um pouco distinta. Ventura e Abascal não são candidatos a nada, em que pese o fato de cederem seus nomes poderosos aos “cabeças de chapa” de seus partidos. Em Portugal, o nome que lidera o “esquadrão” de fascistas que pretende levar o maior número possível de eurodeputados à capital da Bélgica é António Tânger Corrêa. Diplomata de carreira por mais de 40 anos, serviu em vários países, inclusive no Brasil.
Logo após o fim da ditadura salazarista, enterrada com a Revolução de 25 de Abril de 1974, Tânger esteve em atividade política, mas em partidos e federações partidárias de direita moderada. Guinou à extrema direita e hoje é o xodó de André Ventura, que impôs seu nome, ainda no ano retrasado, como líder da bancada que disputará as eleições europeias. Aos 72 anos, só fala em “redes sociais” e diz em entrevistas que levará essa insuportável prática de filmar tudo, de forma inconveniente, ao parlamento europeu. Nem precisa dizer que são nessas lives de extrema direita que surgem as enxurradas de fake news.
Pelo lado espanhol, o sujeito que chefiará a delegação do VOX em Bruxelas, portanto o “cabeça de chapa” da legenda reacionária, não poderia ser alguém mais caricato. Ele já é eurodeputado e é visto como a extrema direita da extrema direita, alguém absolutamente radical. Jorge Buxadé é um advogado do Estado e professor universitário de 48 anos, mas o que chama mesmo a atenção é seu extremismo descontrolado. Na juventude, aliás, foi integrante da “Falange Española de las JONS” nas eleições regionais da Catalunha, em 1995, e da “Falange Española Auténtica”, nas eleições gerais de 1996. As duas organizações são uma referência direta pelo nome à “Falange Española de las Juntas de Ofensiva Nacional Sindicalista”, a milícia fascista dos anos 1930 que deu sustentação ao general ditador Francisco Franco e que teve papel ativo na Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Um entulho sombrio da história saudado pelo homem que promete “fazer frente ao socialismo corrupto e à direita covarde”. Temos aí, verdadeiramente, um discurso mofado e recheado de ódio.
Com tanto crescimento e diante de números tão arrepiantes demonstrados em pesquisas, só mesmo após o encerramento das urnas, no domingo (9), é que poderá ser possível cravar se portugueses e espanhóis terão tais figuras, além de seus companheiros, para os representar no Parlamento Europeu. Até lá, caberá a cada cidadão decente e consciente desses dois países tentar conscientizar o máximo possível quem opta por uma gente tão rasteira e com influências históricas tão funestas.