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Comunidades e ativistas contestam PL das eólicas offshore no Senado

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Uma proposta que promete regulamentar a implantação de usinas eólicas offshore — estruturas destinadas à geração de energia renovável a partir dos ventos no mar, deverá entrar em pauta nesta terça-feira (26) no Senado. O texto atual do Projeto de Lei 576/202, que deveria simbolizar um marco na transição energética brasileira, tem gerado fortes críticas de movimentos sociais, organizações socioambientais e representantes das comunidades pesqueiras. No centro das preocupações, emergem as chamadas “jabutis fósseis” — dispositivos incluídos na proposta que favorecem a expansão de usinas termoelétricas movidas a carvão e gás natural, fontes altamente poluentes.

Para Soraya Tupinambá, integrante do Grupo de Trabalho do Mar (GT Mar), coletivo vinculado à Frente Parlamentar Ambientalista, o projeto é um retrocesso. “Ele perpetua a dependência de recursos que degradam o meio ambiente e envia sinais contraditórios ao mercado global de renováveis, especialmente em um momento em que o Brasil busca protagonismo internacional ao sediar a COP 30 em 2025”, afirma.

No Rio Grande do Norte, onde os ventos desenham um dos maiores polos de energia eólica terrestre do mundo, o horizonte offshore começa a ser objeto de disputa. Estado líder na produção de energia eólica no Brasil, responsável por mais de 90% da energia gerada no Nordeste, o RN já observa o avanço de projetos para turbinas instaladas no mar. Mas, com o PL, os impactos no Estado podem ser ainda mais intensos, especialmente se o Planejamento Espacial Marinho (PEM) — um instrumento fundamental para ordenar o uso do território marítimo — não for incluído como requisito obrigatório na legislação.

Impactos nas Comunidades Pesqueiras

A ausência de consulta prévia às comunidades tradicionais da pesca artesanal tem sido uma das principais críticas ao PL. De acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, povos tradicionais têm o direito de ser consultados sobre empreendimentos que afetem diretamente seus territórios. Entretanto, organizações como o Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) denunciam que as decisões têm ignorado sistematicamente os modos de vida dessas comunidades, essenciais para a segurança alimentar e a economia local.

Além disso, as turbinas eólicas instaladas no mar demandam grandes áreas de exclusão, com um raio de até 500 metros ao redor de cada estrutura, conforme prevê a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CONVEMAR). Essa limitação restringe as rotas de pesca e compromete a subsistência das populações que dependem diretamente dos recursos marinhos. Para Letícia Camargo, secretária executiva do GT Mar, a falta de um Planejamento Espacial Marinho (PEM) agrava o cenário.

“Sem o PEM como pré-requisito, a instalação dessas usinas ocorre sem critérios claros para evitar conflitos de uso e proteger os ecossistemas e as comunidades costeiras”, explica Soraya Tupinambá.

A representante do Movimento dos Atingidos pelas Renováveis (MAR), Nevinha Valentim, aponta que a segurança alimentar é um uma questão relevante a ser considerada no contexto que envolve a expansão de liberação de áreas da produção de energia no mar. “Existe um esforço enorme por parte da sociedade civil e dos governos federal e estadual com o combate à fome e a insegurança alimentar. Mas, contraditoriamente, o que temos acompanhado com a implantação dos parques eólicos é a desativação de incontáveis propriedades da agricultura familiar deixando de produzir alimentos para arrendar as terras para a instalação de torres eólicas”, ressalta, alertando que “a proposta de produção de energia no mar agrava ainda mais essa situação porque pretende ocupar as áreas que hoje são da pesca artesanal”.

Nevinha Valentim pontua que a agricultura familiar e a pesca artesanal são responsáveis pelos alimentos que chegam às mesas da imensa maioria da população do nosso estado. “Se o nosso estômago fosse uma bateria, seria muito prático, era só colocar na tomada à noite para carregar. Mas não é, precisamos de alimentos saudáveis para continuarmos existindo nesse planeta”.

Planejamento Espacial Marinho: O Que Está em Jogo

O Planejamento Espacial Marinho (PEM) é uma ferramenta reconhecida internacionalmente para organizar o uso sustentável dos espaços marítimos, conciliando interesses econômicos, sociais e ambientais. No Brasil, o PEM está previsto para ser concluído apenas em 2029, segundo a Marinha. Contudo, organizações da sociedade civil pressionam para que ele seja incluído como etapa obrigatória antes da instalação de usinas eólicas offshore.

Para o GT Mar, a implementação do PEM como pré-requisito garantiria que os empreendimentos respeitassem as áreas de pesca artesanal e assegurassem a preservação dos ambientes marinhos. “Não há justificativa prática para que o PL não contemple essa exigência”, defende Tupinambá.

Uma Transição Energética Justa e Sustentável

Embora a transição para uma matriz energética mais limpa seja uma prioridade, especialistas ressaltam que ela precisa ser conduzida com justiça socioambiental. Isso implica respeitar os direitos das populações tradicionais, garantir benefícios diretos para a população e priorizar tecnologias que promovam o desenvolvimento sustentável interno, em vez de atender exclusivamente às demandas do mercado internacional.

“Se o Brasil pretende liderar a transição energética global, precisa começar dentro de casa, assegurando que comunidades afetadas sejam ouvidas e que os ecossistemas marinhos sejam preservados”, afirma Carolina Cardoso, do Painel Brasileiro para o Futuro do Oceano.

O GT Mar e outras organizações signatárias do manifesto contra o PL 576/2021 reforçam a necessidade de revisão do texto antes de sua aprovação. Para elas, um projeto de lei que promova a expansão de combustíveis fósseis, impacte negativamente as comunidades costeiras e ignore instrumentos de planejamento não pode ser considerado uma resposta à crise climática.

Entre o Desenvolvimento e a Inclusão

O debate em torno do PL 576/2021 evidencia as tensões entre o desenvolvimento de novas tecnologias energéticas e a inclusão social. No Brasil, onde o litoral é habitado por milhares de famílias que dependem diretamente do mar, a discussão sobre eólicas offshore vai muito além de uma questão técnica. Ela toca na necessidade de equilíbrio entre progresso econômico, proteção ambiental e justiça social.

Enquanto o Senado se prepara para votar o projeto, organizações como o Greenpeace Brasil, o Instituto Terramar e o Conselho Pastoral dos Pescadores pressionam para que a proposta seja reavaliada. O que está em jogo, alertam, não é apenas o futuro da energia no Brasil, mas também a preservação dos modos de vida tradicionais e dos recursos que sustentam uma parte significativa da população costeira.

Na tentativa de alcançar uma transição energética genuinamente renovável, sem os “jabutis fósseis” que hoje permeiam o PL, a sociedade civil reivindica um compromisso claro com a sustentabilidade, a justiça climática e o respeito às comunidades tradicionais. Para os críticos do projeto, o Brasil ainda tem a oportunidade de corrigir o rumo e mostrar ao mundo que é possível avançar em direção a um futuro mais limpo e inclusivo

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