Não se fala em outra coisa no Beco da Lama: quem foi o infeliz das costas ôca que deu com a língua nos dentes, inventou, espalhou e ainda publicou nas redes antissociais que Zé Reeira tinha batido as botas, com passagem sem escala para a terra do pé junto?
Pense num cu de burro em plena noite de quarta-feira.
Feito rastilho de pólvora, a maior fake news da história do mais famoso Quadrilátero da Maledicência de Natal se espraiou pela Coronel Cascudo, ricocheteou na Dr. José Ivo, correu pela Gonçalves Lêdo, varou a Rio Branco, dobrou a esquina da Princesa Isabel, escafedeu pela Felipe Camarão e só parou na professor Zuza.
Quase no mesmo instante, os grupos de zap zap começaram a piscar. O poeta Zé Ferreira chorava de se acabar enquanto ensaiava para o velório os primeiros versos em homenagem ao defunto. A três quadras dali, Manu de Olinda preparava o repertório ao violão para acompanhar o Vigário Bartolomeu na missa de corpo presente.
Dunga e Lula Augusto marcaram um duelo no bar de Nazaré, valendo dose dupla de Montila, para ver quem representaria a ala dos presidentes da Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências segurando uma das alças do caixão.
Gorete contou a Ramos que o artigo 5° do regimento interno da Samba previa a anulação das eleições em caso de morte de papudinho, pé inchado ou dono de botequim até 30 dias após a abertura das urnas.
Um freguês recém-chegado no Centro achou que Paulinho de Nazaré estava mal-humorado por causa da notícia, mas Assis Marinho logo esclareceu que aquela simpatia toda era normal e por conta da casa.
Assim que soube da tragédia, Nélio fechou o bar mais cedo com medo que os devedores da caderneta de Zé Reeira migrassem para lá.
A repercussão ganhou o mundo e quase abafou o dia seguinte à eleição dos EUA. Demétrio Magnoli e Guga Chacra, da Globo News, informaram com exclusividade que antes de ligar para Trump reconhecendo a derrota, Kamala Harris tentou falar com Dayane, filha de Zé Reeira, para prestar solidariedade à família.
Abimael pensou em imprimir para vender no velório a edição fac-simile com a biografia e os cardápios de todos os bares onde Zé Reeira trabalhou, em especial o bar Linda Flor, no Alecrim; o bar do Ovídio, o Cinderela e o bar do Zé Reeira, todos na Cidade Alta.
Lula Belmont, Ricardo e Marcelo Veni decidiram em reunião que o desfile das Kenga´s entregaria de agora em diante o troféu Reeira para a Kenga mais cachaceira do carnaval.
O poeta Plínio Sanderson veio de bicicleta da serra e convocou todos os poetas da cidade para prestar a última homenagem. Civone Medeiros anunciou uma perfomance e Zorro organizou o samba para ajudar na passagem.
Cris e Eugênio Meio Quilo surgiram fantasiados, mas ninguém entendeu porra nenhuma até Volonté matar a charada: fantasia reiêra. E foi a glória quando Haroldo Maranhão chegou com a Banda Independente da Ribeira riscando o frevo no asfalto.
Ana Guimarães passou um zap mandando Ana Flávia se arrumar em meia hora, pois não perderia por nada aquela confusão e o maior velório de todos os tempos.
E antes que a governadora Fátima Bezerra decretasse luto oficial de três dias em todo o Rio Grande do Norte, alguém teve a sensata idéia de checar a notícia.
Zé Reeira está vivo !
O grito, que ecoou feito estampido de tiro em banda de lata pelas mesmas ruas do Beco, acordou a vizinhança. A primeira reação foi de surpresa. Um microônibus com 15 carpideiras vindo do interior deu meia volta. Após a turma se refazer do susto, parecia final de Copa do Mundo.
Uma senhora festa em homenagem ao Zé que renasceu sem nunca ter morrido.
Em poucos minutos, Tárcio Fontenelle mandou espalhar cartazes pelos postes da Cidade Alta avisando aos devedores que se Zé Reeira estava vivinho da Silva, as contas da caderneta do bar também não haviam morrido.
Zé Reeira nasceu José Flor Sobrinho, em 1948, no município de Tacima, na Paraíba. Começou a trabalhar em feiras, acompanhando o pai, em troca de comida e pouco dinheiro. Se estabeleceu em Natal a partir dos 7 anos de idade.
Botou a mão na massa cedo. Trabalhou no Alecrim, nas Rocas e na Cidade Alta, sempre em bares, como funcionário ou proprietário do estabelecimento. Viveu um tempo no Rio de Janeiro, voltou e há quase 20 anos comanda o Bar que leva seu apelido, na professor Zuza, ao lado do antigo prédio do IFRN.
Zé Reeira é patrimônio vivo e cidadão natalense, oficialmente, desde 2018.
Nesta quinta-feira pela manhã, Zé foi visto e fotografado em seu habitat natural: a cozinha do bar. Daniel Souza, do saudoso bar da Toca, perguntou ao próprio Zé se ele tinha morrido. Na cozinha, preparando a famoso costela cozida, o senhor Reeira não entendeu nada.
Assim que acordou e soube da fake news, a atriz Fafá Bibi tratou de correr atrás do disgramado que espalhou a mentira e aterrorizou a cidade. Depois de tomar todas nos bares do Beco e olhar na fuça do sujeito, Fafá reincorporou a crente do filme O Homem que Desafiou o Diabo e botou o malassombrado pra correr.
Para uma plateia que incluía quatro pés de cana, três ambulantes, duas prostitutas, um cabelereiro, Abimael, a professora Cellina Muniz, a produtora Raquel Lucena e Catarro, Fafá vingou a comunidade do Beco:
– Vá simbora daqui que já tem muita gente ruim nessa cidade e não carece de ter mais não. Vá de retrô, Tinhoso ! Fariseu duma figa ! Excomungado, infeliz das costas oca, prejura, marmota da bixiga lixa, condenado dos 600 djabo ! Sai do meio, menino !
Viva Zé Reeira e morte às fake news.