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Trump 2.0

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Ninguém imaginaria, há um mês atrás, que o republicano Donald Trump teria uma vitória tão arrasadora sobre a candidata democrata Kamala Harris nas eleições estadunidenses.

O ex-presidente (que agora retorna à Casa Branca) venceu no voto popular, no colégio eleitoral e ainda por cima vai governar com maioria no Senado, na Câmara dos Deputados e com uma Suprema Corte com maioria conservadora. A vitória de Trump só não foi mais pujante do que a vitória de Ronald Reagan em 1984, mas pode ter sido até politicamente mais significativa do que a do finado ator de Hollywood que chefiou a maioria moral conservadora norte-americana nos anos 80.

Uma semana depois do encerramento da votação, já com os resultados mais assentados e sem o calor do momento embotando a vista da gente, já podemos afirmar pelo menos uma coisa: maior do que a vitória arrasadora dos republicanos foi a derrota monumental dos democratas.

Isso porque, ao observar os dados eleitorais, a gente pode perceber que mais do que um aumento de votos em Trump, o que explica o resultado dessa eleição, foi a diminuição dos votos em Kamala (quando comparado com a eleição de Joe Biden em 2020). Em um país onde o voto não é obrigatório, isso implica em um fato: muitos eleitores democratas simplesmente não saíram de casa para votar na candidata do cordão azul.

Vários fatores podem explicar esse abandono do voto democrata em estados que deveriam ser chave na disputa eleitoral. Em Michigan, estado com a maior comunidade árabe americana do país, o apioi de Biden e Kamala ao genocídio patrocinado pelo Estado de Israel em Gaza foi decisivo para a derrota democrata.

Outro ponto essencial para explicar a catástrofe eleitoral dos “azuis” é a constatação de que o crescimento econômico dos anos Biden (2,8% ao ano) e o estado de pleno emprego que os EUA se encontram após a pandemia de Covid-19, não é condição suficiente para gerar uma sensação de que a vida presente é melhor do que a vida passada.

A narrativa retrotópica do MAGA (Torne a América grande novamente), que vende a ideia de um retorno a um passado glorioso, fez festa em um ambiente no qual o avanço do capitalismo digital e da liberalização econômica ampliam a exploração e a deterioração da classe trabalhadora norte americana. Na “terra dos livres”, o trabalhador pobre, independente de ser branco, negro ou “latino” (uma categoria racista usada nos EUA e que não faz o mínimo sentido) viu, nos últimos anos, os bilionários ligados às grandes corporações financeiras e das chamadas Grandes tecnologias se tornarem cada vez mais biblionários,  enquanto a qualidade de vida da maioria da população degradava a olhos vistos.

O fato do partido democrata ter perdido a conexão com a classe trabalhadora (como atestou o senador Bernie Sanders) tem muito a ver com as opções políticas liberais adotadas pelos sucessivos governos democratas, de Clinton até Biden.

Esse cenário, em que uma “esquerda” liberal se move para o centro e passa a adotar políticas que beneficiam o grande capital, parece se repetir em vários países do chamado “ocidente”. Em uma transação de composição com o centro e de manutenção da ordem liberal, feita em troca de algumas migalhas compensatórias que ajudariam a tornar “mais humano” um cada vez mais brutal e selvagem capitalismo digital, a esquerda ocidental pavimenta o caminho para o seu próprio desaparecimento como força política em cenários eleitorais.

No espólio desse suícidio político, se produz um vácuo, ocupado, em um primeiro momento, pelo discurso extremado de uma direita neo fascista, que recupera tropos políticos de seus velhos avós, Hitler e Mussolini, para mobilizar massas de cidadãos oprimidos que, em tese, deveriam se contentar com as migalhas da festa liberal que caem por “gotejamento” (o tal escorrer da era Reagan-Tatcher) nos bolsos dos trabalhadores.

Não é à toa que tem gente (como o professor Vladimir Safatle aqui no Brasil) atestando que a esquerda ocidental morreu como força política. O mal estar social desse modelo de capitalismo tardio, em que o paradigma mais brutal é o do genocídio palestino, é a cereja do bolo que a extrema direita usa, lá, aqui e acolá, para ampliar sua base eleitoral entre os trabalhadores precarizados e se tornar um movimento de massas.

A derrota avassaladora da esquerda liberal norte-americana nessas eleições, com seus erros de avaliação e suas contradições internas paralisantes, mostra algo de significativo que pode ser aplicado aqui também no Brasil para as eleições de 2026.

Para você ter ideia, amigo velho, viramos tanto para a direita nessas três últimas décadas que a chamada “esquerda radical” hoje em dia, é aquela que defende a “taxação de grandes fortunas”. Imagine um velho comunista Velha escola do século passado ouvindo uma proposta reformista dessas! Para quem defendia a chamada “ditadura do proletariado” o único caminho para gente como Elon Musk, Jeff Bezos e Mark Zuckerberg é o paredão, sem medo de ser feliz e sem se preocupar com essas idiossincrasias burguesas do tipo “direitos humanos” ou “devido processo legal”.

A questão é que o mundo mudou e a esquerda liberal não viu. Se nos anos 90, quando o bloco sovietico ruiu, a esquerda que acreditava na revolução passou a ser taxada de romântica, ingênua e delirante em sua utopia de superação do capitalismo; hoje, no mundo comandado por Trump e Elon Musk, ingênua, romântica e delirante é a esquerda que acredita que pode gerenciar o capitalismo e fazer uma ou outra reforminha aqui e acolá para manter esse sistema funcionando.

A ironia da história é essa: os realistas pragmáticos hoje são aqueles que apostam na catástrofe, os românticos utópicos, os que sonham que tudo continuará sendo como era antes no mundo que se descortina neste século de transformações radicais.

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