A Prefeitura de Natal promove um verdadeiro “jogo de empurra” entre as secretarias da gestão do prefeito Paulinho Freire (União Brasil) para não se manifestar sobre a Ação Civil Pública (ACP) movida pela Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público do Estado (MPRN), que pede a anulação da lei municipal das Áreas Especiais de Interesse Turístico e Paisagístico (AEITPs).
Aprovada na gestão do ex-prefeito Álvaro Dias (Republicanos), a lei municipal nº 7.801/2024 permite construções até cinco vezes maiores AEITPs, que abrangem zonas estratégicas como as orlas de Ponta Negra, Redinha, Central e a Via Costeira. O MPRN entrou com o pedido de anulação da norma no final de outubro. Desde então, não houve nenhum posicionamento da Prefeitura de Natal.
A vice-prefeita Joanna Guerra (Republicanos), questionada pela reportagem sobre o tema, durante a reunião da bancada federal potiguar, no início da semana, desconversou dizendo que o assunto deveria ser tratado com a Secretaria Municipal de Turismo (Setur) e com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb).
A Semurb, que já havia sido procurada para emitir um posicionamento logo após o anúncio da ação do MPRN, informou através da assessoria de imprensa que, como envolve uma questão jurídica, o titular da pasta, Thiago Mesquita, “pediu para procurar a Procuradoria-Geral do Município (PGM)”.
A reportagem não conseguiu contato com a Setur nem com a PGM. O espaço segue aberto e o texto será atualizado assim que obtivermos um retorno.
A promotora Rachel Medeiros Germano, que assina a Ação Civil Pública, argumenta que a lei possui “flagrantes vícios formais e materiais que a maculam”, além de ter sido aprovada sem estudos técnicos, sem participação efetiva da população e em desacordo com as regras legais do Plano Diretor (Lei Complementar nº 208/2022).
O ponto mais crítico é a ausência total de estudos. A própria Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) confirmou ao MPRN que não existem laudos urbanísticos nem ambientais que sustentem as novas regras. Na ausência desse respaldo técnico, a lei carece de validade mínima.
De acordo com o MPRN, a nova legislação, em vez de apenas regulamentar, altera drasticamente o Plano Diretor de Natal, a principal norma urbanística da cidade, mas sem seguir as regras rigorosas necessárias para essa mudança.
As Áreas Especiais de Interesse Turístico e Paisagístico (AEITPs), cita o MPRN, foram criadas para “proteger o valor cênico paisagístico, assegurar condições de bem-estar, garantir a acessibilidade, a qualidade de vida e o equilíbrio climático da cidade e fortalecer a atividade turística”.
A nova lei aprovada em regime de urgência pela Câmara Municipal de Natal, ainda segundo o MPRN, “ignora todas essas proteções, usurpando competências do Plano Diretor de Natal e promovendo alterações que descaracterizam as Áreas Especiais de Interesse Turístico e Paisagístico”.
As AEITPs, prossegue o MPRN, “como o próprio nome diz, são especiais e estratégicas para a cidade, indispensáveis para o ecossistema econômico e social das comunidades que nelas residem”.
O MPRN detalha que a lei descaracteriza as AEITPs ao equipará-las a zonas comuns de adensamento – áreas urbanas designadas como aptas a receber um aumento de construção e população.
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Maior impacto das mudanças é na Orla de Ponta Negra
As alterações mais significativas apontadas são na Orla de Ponta Negra (AEITP 1), onde a lei, com a instituição do “térreo ativo”, pode levar o Coeficiente de Aproveitamento (CA) de 3,5 para 5,0.
Na prática, isso significa que o gabarito máximo – altura dos prédios – em trechos da área, como nas quadras próximas à rotatória da Av. Engenheiro Roberto Freire, poderá aumentar de 7,5 metros para 21 metros.
A nova lei ainda promove a redução do lote mínimo, a dispensa de recuo frontal das construções e o aumento de 50% a 60% da taxa de ocupação para 80%.
“Há um risco à preservação do campo de visuais cênico-paisagísticos para o Morro do Careca e impacto visual relevante no Parque Estadual das Dunas de Natal”, diz a ação do MPRN.
Via Costeira

A Ação Civil Pública também aponta que a nova lei aumenta o Coeficiente de Aproveitamento da Orla da Via Costeira (AEITP 2) de 1,0 para até 5,0 com o “térreo ativo” – o conceito de usar o pavimento térreo de um edifício para funções que atraiam pessoas e estimulem a vida urbana, em vez de apenas ter garagens ou um acesso privado –, padronizando o gabarito máximo em 15 metros de altura.
O MPRN argumenta que isso “acentua o problema da falta de acessos públicos à praia e possibilita alteração drástica da paisagem, endossando ocupação mais acentuada numa área que recorrentemente vem sofrendo (erosão costeira) com a pressão marítima e erosão durante os regimes de chuva”.
Além disso, a mudança “potencializa o impacto sobre o cone de visão do Morro do Careca, bem tombado como Patrimônio Municipal”.
“Há falta de diálogo com a Área Especial Costeira e Estuarina (AECE), cuja ocupação deveria ser ordenada pelo Plano de Gestão Integrada da Orla Marítima e aprovada pelo Comitê Gestor da Orla, conforme o PDN”, diz a ACP.
Orla Central e Praia da Redinha

A lei também afeta a Orla Central (AEITP 3), uma vez que “alterou/extinguiu o subzoneamento anterior, admitindo o gabarito máximo de 140 metros em algumas áreas (S-33), contrariando a proteção cênico-paisagística do PDN (Plano Diretor de Natal”.
O MPRN aponta, ainda, que a nova lei regulamentou de forma “excessivamente simplista” a AEITP 4 (Orla da Redinha) e a AEITP 5 (Dunas do Guarapes e Felipe Camarão).
No caso da Orla da Redinha, a regulamentação desconsidera “atributos físico-ambientais e de vulnerabilidade social do local, sobrepondo-se à APA de Jenipabu e permitindo edificações de até 30 metros”, o que desconsidera estudos anteriores da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) de 2017.
Já em relação à área das Dunas do Guarapes e Felipe Camarão, a lei “desconsidera o regramento da ZPA 4 (Zona de Proteção Ambiental 4) – (Lei 4.912/1997), com a qual se sobrepõe”, carecendo de “justificativas técnicas para o zoneamento proposto”.
“A lei permite o uso de térreo ativo e aumento de CA (Coeficiente de Aproveitamento) mesmo em áreas de ZPA 4”, acrescenta o MPRN.
“As inconsistências de conteúdo da Lei nº 7.801/2024 apontam para uma reconfiguração drástica da paisagem costeira, fragilizando a função socioambiental da propriedade e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, indo muito além de uma simples regulamentação”, diz trecho da Ação Civil Pública.























