(FOLHAPRESS) – Às vésperas da data que pode selar o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, a conclusão do tratado passou a enfrentar uma oposição de peso. A primeira ministra da Itália, Giorgia Meloni, indicou que deve se juntar ao grupo de países insatisfeitos com o pacto, liderado pela França.
Esse posicionamento pode adiar a assinatura do documento, que é fruto de negociações iniciadas há mais de duas décadas e que prevê a criação de um mercado de aproximadamente 720 milhões de pessoas.
O tema foi discutido nesta quarta-feira no chamado triálogo, que reúne representantes do Parlamento, do Conselho e da Comissão Europeia. Foi elaborado um texto final que incorpora o acordo desenhado pela Comissão, acrescido das salvaguardas aprovadas pelo Parlamento. A versão retificada deve ser submetida a votação nesta quinta-feira, 18, no Conselho.
Atualmente, a União Europeia é o segundo maior parceiro comercial do Mercosul, atrás apenas da China e à frente dos Estados Unidos. Em 2023, o bloco europeu respondeu por 16,9% do comércio total do Mercosul.
O que é um tratado de livre comércio
Um tratado de livre comércio é um acordo entre países ou blocos que tem como objetivo reduzir ou eliminar tarifas e remover outras barreiras à importação e à exportação de bens e serviços.
Quando começaram as negociações entre Mercosul e União Europeia
As negociações tiveram início em 1999, durante a Cúpula Mercosul União Europeia realizada no Rio de Janeiro. Na ocasião, foi anunciado o objetivo de iniciar as tratativas do acordo. As negociações foram concluídas inicialmente em 2019, mas o texto foi reaberto e só aprovado em dezembro de 2024.
Desde então, o Parlamento Europeu aprovou regras mais rígidas para o monitoramento de preços dos produtos comercializados dentro do bloco, com previsão de investigações e sanções em caso de prejuízo a produtores agrícolas. Mesmo assim, essas medidas não foram suficientes para dissipar os temores de países europeus em relação a possíveis impactos das importações do Mercosul.
O que o acordo prevê
Para o Mercosul, o tratado prevê a eliminação de tarifas que pode ocorrer de forma imediata ou gradual, conforme o setor, em prazos que variam de 4 a 15 anos, com exceções no setor automotivo. Essas medidas abrangem cerca de 91% dos bens importados pelo Brasil da União Europeia.
No caso da União Europeia, a liberação tarifária também poderá ser imediata ou gradual, em prazos entre 4 e 12 anos, abrangendo aproximadamente 95% dos produtos brasileiros exportados ao bloco.
Há ainda produtos sujeitos a cotas, principalmente do setor agroindustrial, que representam cerca de 3% das exportações brasileiras para a União Europeia.
O acordo também trata de temas como serviços, investimentos, compras governamentais, medidas sanitárias e propriedade intelectual.
Quais serão os próximos passos se o acordo for assinado
Para facilitar a aprovação, o acordo comercial foi separado do acordo político. Como o comércio exterior é competência da União Europeia, não será necessária a ratificação individual por cada Estado membro, bastando a aprovação pelo Parlamento Europeu. No Mercosul, será exigida a aprovação dos países integrantes. No Brasil, o processo envolve os Poderes Executivo e Legislativo.
Há ainda a possibilidade de judicialização no âmbito europeu. Um grupo de parlamentares contrários ao tratado pretende levar o documento à Corte de Justiça da União Europeia, a mais alta instância jurídica do bloco. A resolução está retida na presidência do Parlamento Europeu, sob responsabilidade de Roberta Metsola, que afirma que o tema será levado a plenário no momento adequado.
Outra possibilidade de questionamento judicial pode surgir durante a análise do acordo nos Parlamentos nacionais. Qualquer rejeição pode servir de argumento para contestar a legalidade do tratado como um todo, o que poderia comprometer sua parte comercial e prolongar o processo por anos.
Quais são as salvaguardas previstas
Em 16 de dezembro, o Parlamento Europeu aprovou salvaguardas mais rigorosas para tentar reduzir a oposição da França, principal crítica ao tratado. Ainda assim, as medidas foram consideradas insuficientes por alguns países.
Pelas regras, a Comissão Europeia poderá abrir investigações em caso de flutuações excessivas nos preços de produtos sensíveis e aplicar sanções caso mercadorias do Mercosul não cumpram os padrões sanitários e ambientais exigidos pelo bloco.
O mecanismo de investigação será acionado se o preço de um produto importado do Mercosul apresentar variação superior a 5% em relação à média dos últimos três anos ou se o volume da cota isenta variar acima desse mesmo percentual.
Os produtos que mais preocupam os legisladores europeus são a carne bovina, a carne de aves e o açúcar. O receio é de um aumento expressivo das importações sul americanas em caso de dificuldades na cadeia agrícola europeia, o que levou Bruxelas a prometer um monitoramento quase em tempo real dos mercados.
Quem ganha e quem perde com o acordo
O tratado criaria um mercado comum de cerca de 722 milhões de pessoas, com economias que somam aproximadamente 22 trilhões de dólares, segundo o governo brasileiro.
Um estudo do Ipea aponta que o acordo pode gerar um crescimento de 0,46% no Produto Interno Bruto brasileiro até 2040. Em termos comparativos, o Brasil teria ganhos superiores aos da União Europeia, com aumento estimado de 0,06%, e aos dos demais países do Mercosul, com alta de 0,20%.
Para o Mercosul, uma das principais vantagens é a eliminação das tarifas de importação de 77% dos produtos agropecuários exportados para a União Europeia, beneficiando especialmente carnes suína e de frango, pecuária bovina, frutas e vegetais.
Por outro lado, setores da indústria brasileira, como equipamentos elétricos, máquinas, produtos farmacêuticos, têxteis e metalurgia, podem sofrer impactos negativos, segundo o Ipea.
A União Europeia, por sua vez, teria acesso ampliado ao mercado do Mercosul, hoje bastante protegido, aumentando a demanda por seus produtos.
Um argumento adicional a favor do acordo é a possibilidade de compensar perdas comerciais causadas pelas tarifas impostas pelos Estados Unidos durante o governo Donald Trump.
Como funciona o acordo automotivo
O setor automotivo terá um período mais longo de eliminação tarifária, com o objetivo de reduzir o impacto da entrada de veículos europeus no Mercosul. Para carros a combustão, o prazo é de 15 anos. Para veículos eletrificados, o período foi ampliado para 18 anos. Já os veículos movidos a hidrogênio terão prazo de 25 anos, com seis anos de carência.
O acordo inclui ainda uma salvaguarda que poderá ser acionada caso o aumento das importações cause prejuízos à indústria nacional. Nesse cenário, o Brasil poderá suspender o cronograma e restabelecer a tarifa de 35% por até três anos, com possibilidade de prorrogação por mais dois.
O que o acordo prevê para o agronegócio
As tarifas de importação de 77% dos produtos agropecuários adquiridos pela União Europeia junto ao Mercosul serão eliminadas de forma gradual.
Isso permitirá a ampliação das exportações de produtos como café, frutas, peixes, crustáceos e óleos vegetais, cujas taxas de importação serão progressivamente reduzidas até zerar.
Combate às mudanças climáticas
O acordo estabelece que o Acordo de Paris é um elemento essencial da relação entre União Europeia e Mercosul. Caso uma das partes viole gravemente ou abandone o tratado climático, o acordo comercial poderá ser suspenso.
A União Europeia também prevê a criação de um fundo de 1,8 bilhão de euros para apoiar ações voltadas à transição verde e digital nos países do Mercosul, no âmbito do programa Global Gateway. O objetivo é fortalecer indústrias locais e preparar os países para os desafios futuros.
Por que o acordo de 2019 foi renegociado
As negociações foram concluídas inicialmente em 2019, durante o governo Jair Bolsonaro. Na época, houve forte resistência na Europa devido às posições do então presidente brasileiro sobre questões ambientais.
Com isso, o acordo ficou paralisado por anos e não foi encaminhado para análise do Parlamento Europeu nem dos Legislativos do Mercosul.
Com a chegada do presidente Lula ao governo, parte das resistências ambientais foi superada. Ainda assim, Mercosul e União Europeia reabriram as negociações para ajustar pontos relacionados às exigências ambientais e à política de compras governamentais.
A primeira ministra da Itália, Giorgia Meloni, indicou que deve se juntar ao grupo de países insatisfeitos com o pacto, liderado pela França.
Agência Brasil | 18:11 – 17/12/2025