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Em menos de um ano desde que ficou pronta, a engorda da praia de Ponta Negra já ficou alagada em diversas situações, tanto pela água da chuva, quanto pelo avanço da maré. Mas, ao contrário do que vem sendo afirmado pelos gestores da Prefeitura do Natal, os alagamentos não são considerados normais pelos especialistas. “Na primeira chuva já tivemos um quadro de chegada de água no pé do morro, descendo da escadaria dos pescadores. Agora temos um quadro do oceano invadindo a praia, o que não deveríamos ver tão fácil. Ponta Negra é um caso muito severo de obra que precisa de atenção extrema porque isso já está acontecendo com esse nível de situação, imagine quando tivermos eventos extremos. Essa informação precisa ser melhor esclarecida pelo gestor. A cota de coroamento não deveria ser exposta menos de um ano depois da obra, podemos imaginar que o volume sedimentar colocado não está mais em quantidade adequada”, aponta Venerando Eustáquio, professor de Engenharia Civil e Ambiental da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e coordenador do Laboratório de Geotecnologias Aplicadas Modelagem Costeira e Oceânica (GNOMO).
Em vídeo gravado nesta quarta (08), a secretária da Seinfra, Shirley Cavalcanti, afirmou que esse é um fenômeno natural e que irá se repetir. A titular da pasta não falou sobre o que seria feito para corrigir a situação. A mesma coisa que havia sido repetida pelo titular da Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb), Thiago Mesquita, meses antes.
“O fato de fazer o aterro não quer dizer que temos a praia reposta em seu equilíbrio final. Numa situação ideal isso era para se sustentar por mais de dez anos. Em situações extremas, e é uma tendência futura, justificar isso (que é normal os alagamentos)sem considerar as perguntas que temos feito é uma situação muito crítica, precisamos de respostas mais técnicas. Não é natural ter esses alagamentos. Um processo de inundação levanta alertas. Numa praia que está recebendo a manutenção adequada, não vemos visto isso acontecer”, resume taxativo o pesquisador.
O professor da UFRN também ressalta que faltou transparência para que os pesquisadores pudessem ter acesso e acompanhado o projeto de engorda da praia de Ponta Negra.
“Não tivemos acesso aos projetos executivos e relatórios que mostram o processo erosivo, fica difícil entender se as cotas de coroamento foram calculadas para os quadros de energia oceânica. Esse é um alerta muito sério. Não se espera o alagamento da faixa de areia após a engorda, espera-se uma remodelagem da praia, um tempo para que a sazonalidade atue porque teremos diferentes energias de onda e maré. Dizer que nesse momento ter invasão da praia é normal, não é natural, não deveria acontecer, poderíamos ter visto em alguns setores, não na extensão da praia como ocorreu”, contesta Venerando.
Segundo o pesquisador, os alagamentos da faixa de areia demonstram que a obra já não garante faixa de areia em casos de marés mais elevadas. Além disso, ele também observa que não estão sendo refeitas as reposições de areia, conforme deveria estar planejado.
“Isso chama muita atenção para a situação indicativa de que engorda já não funciona como deveria. Esses eventos são esperados com mais tempo de obra, já com bastante alteração de quadro e não menos de um ano depois. A praia no aterro deveria sofrer processos episódicos de manutenção, como reposição, mas parece que isso não vai acontecer, isso deveria ser planejado para que fosse reposto”, avalia Venerando.
Debate técnico
Na avaliação de um outro pesquisador, o professor aposentado e fundador do curso de mestrado em Engenharia Ambiental da UFRN, falta um debate técnico sobre o assunto.
“Não tem ninguém interessado em fazer esse debate. Interessa a manutenção. Todos esses problemas que estão acontecendo hoje são resultado da ausência de um plano na área da drenagem superficial. As críticas apontam para soluções que a Prefeitura não reconhece. Nada justifica os erros e omissões no projeto e na obra de engorda de Ponta Negra”, lamenta João Abner.
À imprensa , a Prefeitura do Natal insiste em repetir que os alagamentos em Ponta Negra fazem parte de um processo previsto pelos engenheiros, o que tem sido rebatido por pesquisadores da área.
“Não está tudo bem, quando tem erosão não está tudo bem. Não precisa nem ser técnico na área para ver que está erodindo, levando material, há perda de solo. O fluxo se concentra ao pé do Morro do Careca porque ele é uma barreira. Essa (a drenagem da água) é uma obra emergencial, não pode ser pro futuro”, alerta João Abner.
Para trabalhar
A engorda da praia de Ponta Negra, que custou cerca de R$ 100 milhões, foi realizada sem acompanhamento de órgãos de fiscalização. Por meio de força judicial, a Prefeitura do Natal conseguiu o Licenciamento de Instalação e Operação (LIO), necessário para início dos trabalhos. Porém, o licenciamento era válido para uma área diferente da que foi explorada na extração da areia da jazida.
Para não ter que pedir nova licença, o então prefeito de Natal, Álvaro Dias (Republicanos), emitiu um decreto de estado de emergência por erosão pelo avanço da maré em setembro de 2024. Com isso, a obra foi realizada sem licenciamento ambiental.
Já em outubro do mesmo ano, a Prefeitura do Natal conseguiu na justiça um mandado de segurança proibindo o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (Idema) de fiscalizar a obra da engorda.
A obra foi concluída em 25 de janeiro de 2025, mas sem a parte da drenagem finalizada, o que só ocorreu no início de março com o funcionamento dos 16 dissipadores, estruturas utilizadas para reduzir a velocidade da água durante o escoamento.
Saiba +
A Agência SAIBA MAIS vem acompanhando todos os problemas da obra de engorda de Ponta Negra. Segue, abaixo, os links de matérias publicadas:
Ponta Negra: pesquisa da Funpec sobre nova jazida não tinha autorização
Funpec levou uma semana para encontrar nova jazida em Ponta Negra
Idema diz que nova jazida para engorda de Ponta Negra não foi licenciada
Ponta Negra: Idema avalia se decreto permite engorda sem estudo ambiental
Ponta Negra: Prefeitura do Natal terá que pedir novo licenciamento para trocar jazida
Ponta Negra: prefeitura tem licença para explorar apenas 1 das 10 jazidas encontradas
Funpec confirma que jazida não tem areia suficiente para engorda de Ponta Negra
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