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Quem acompanha a trajetória do vereador Subtenente Eliabe imagina que a sociedade natalense esteja diante de mais um bolsonarista radical que surgiu utilizando um título militar para ganhar espaço na política partidária. No seu mandato na Câmara Municipal de Natal, vem cumprindo a cartilha da extrema direita que contempla a pauta de costumes, agressividade contra adversários, populismo penal e bajulação desmedida ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Entretanto, o perfil “bolsonarista radical” do vereador Eliabe é algo relativamente recente. Em um passado não muito distante, o militar inativo tinha um perfil bastante diferente e já esteve intensamente atrelado a um tema tradicionalmente vinculado à esquerda: a desmilitarização da Polícia Militar. Mas como ocorreu a metamorfose até chegar ao palácio Felipe Camarão?
Eliabe Marques da Silva nasceu no dia 26 de dezembro de 1970. O antigo policial costuma declarar que nasceu em Riachuelo e morou na cidade até os 19 anos. Porém, documentos apresentados à Justiça eleitoral constam a informação de que o vereador é natural de Natal. Na capital potiguar, serviu o Exército, trabalhou como garçom e ingressou na PM como soldado em 1992. Ganhou notoriedade ao atuar na Associação dos Subtenentes e Sargentos Policiais Militares e Bombeiros Militares do Estado do Rio Grande do Norte (ASSPMBMRN), entidade a qual foi presidente de 2008 até 2021.
À frente da Associação dos Subtenentes, Eliabe não só agiu nas pautas tradicionais de qualquer categoria. Assuntos relacionados a condições de trabalho, remuneração e carreira foram bastante abordados. Mas o grande destaque ocorreu na atuação fervorosa em favor da desmilitarização da Polícia Militar. Foram inúmeras manifestações públicas sobre a importância da mudança da estrutura hierárquica da PM.
Eliabe Marques publicou um texto no facebook em 2013 que explica que a mudança não significa acabar com a hierarquia e disciplina, desarmar, desuniformizar ou tirar a autoridade da polícia. O objetivo é “somente mudar o foco da formação e da atuação”. A ideia é a “separação constitucional do glorioso Exército Brasileiro, é a transformação da atividade de policiamento em uma atividade eminentemente civil, tal como ocorre no restante do mundo”.
A publicação foi ilustrada com fotografia de uma manifestação pública onde constam faixas, bandeiras e camisetas da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Na imagem, é possível ver Eliabe segurando uma faixa com a inscrição “desmilitarização”.
No mesmo ano, o subtenente esteve na Câmara Municipal de Natal para prestigiar a entrega do título de cidadão natalense a Luciana Genro. Na rede social, Eliabe publicou uma foto com a fundadora do PSOL com a inscrição de que ela era “parceira nas lutas” pela desmilitarização das polícias e corpo de bombeiros.
Vereador foi filiado ao PT
Durante o período de militância em favor da desmilitarização da PM, segundo documento apresentado ao TSE, Eliabe Marques foi filiado ao PT. O policial foi correligionário do presidente Lula entre 2012 até o início de 2016, quando deixou o partido no auge do desgaste gerado pela Operação Lava Jato.
Após deixar o Partido dos Trabalhadores, Eliabe ingressou no Solidariedade para ser candidato a vereador de Natal em 2016. Na primeira experiência eleitoral, obteve a marca de 1.516 votos que o posicionou como terceiro suplente na legenda. Na eleição seguinte, ainda filiado à mesma legenda, disputou uma vaga na Assembleia Legislativa. O então militante favorável à desmilitarização da PM foi votado 16.233 vezes. O número alcançado o habilitou como primeiro suplente na coligação. Na ocasião, foram eleitos Kelps Lima e Allyson Bezerra.
Na eleição de 2020, o subtenente mais uma vez foi candidato a vereador pelo Solidariedade. Apesar de mais um insucesso nas urnas, Eliabe acabou saindo do processo eleitoral como vencedor, visto que Allyson Bezerra se tornou prefeito de Mossoró e abriu a vaga de deputado estadual para o primeiro suplente do partido na eleição de 2018.
A partir de janeiro de 2021, Eliabe Marques se tornou deputado estadual de forma efetiva. Seu mandato se manteve relativamente coerente com a militância anterior, mas já mostrava sinais que acenavam ao bolsonarismo.
A atuação como parlamentar estadual esteve alinhada a diversas frentes contrárias ao que o bolsonarismo defende. Eliabe apresentou requerimento propondo “a criação de edital de seleção de produtores culturais para a realização de oficinas de organização de carreiras artísticas”, defendeu o piso dos professores, sugeriu a instalação de ecopontos para atender às “boas práticas de gestão ambiental”, realizou audiência sobre “saúde emocional” dos agentes de segurança e apresentou projeto de lei que que busca “estimular empresas que promovam a igualdade salarial de gêneros, contribuindo para a redução de desigualdades, com objetivo de valorizar a mulher”.
Em nome da segurança pública, apresentou projeto de baixa relevância como a criação do “Dia Estadual do Guarda Municipal” e alteração da nomenclatura do policial e bombeiro militar inativo para “veterano”.
Dose de esperança
Na pandemia, ao contrário dos posicionamentos do presidente Bolsonaro e seus seguidores, Eliabe cobrou celeridade na vacinação dos profissionais de segurança pública e cobrou do governo do estado fornecimento de EPIs aos policiais. Para defender a inclusão dos agentes de segurança nos grupos prioritários, ressaltou que os policiais eram “responsáveis por assegurar o efetivo cumprimento das medidas restritivas decretadas pelo Poder Executivo”. O deputado estadual fez questão de registar publicamente o momento em que se vacinou. O episódio foi chamado de “dose de esperança”.
Por outro lado, no momento de arrefecimento da pandemia no início de 2022, em que se discutiu a exigência de vacinação para servidores públicos, Eliabe foi questionado na rede social sobre a obrigatoriedade da imunização. Em nome das “liberdades individuais”, o parlamentar foi questionado sobre a obrigatoriedade do passaporte vacinal. Já se alinhando ao bolsonarismo, classificou a medida como autoritária.
Mas o populismo penal, uma das marcas da extrema direita, sempre rondou a atuação de Eliabe na Assembleia Legislativa. Apesar de se declarar como um defensor dos policiais penais, o deputado criticou a vacinação dos apenados, o que ignora a lógica de que a imunização dos presos está diretamente ligada a proteção dos agentes do estado que trabalham dentro das unidades prisionais.
No contexto do populismo penal, ainda apresentou projetos de lei que repassa ao apenado o custo da tornozeleira eletrônica e outra proposição que proíbe as visitas íntimas nos presídios. Ambas as propostas contemplam um fraco respaldo jurídico.
No legislativo estadual, o subtenente propôs um voto de pesar por uma morte ocorrida em um acidente de trânsito na Avenida Tomaz Landim, zona norte de Natal. No entanto, pouco mais de 2 meses depois, o político solicitou ao Governo do Estado a suspensão da instalação de radares na avenida João Medeiros Filho que fica próxima a via que ocorreu o acidente fatal.
Na cola do PL de Bolsonaro
Para a eleição de 2022, Eliabe permaneceu filiado ao Solidariedade, mas não foi reeleito. Os 17.993 votos foram suficientes para ficar apenas na terceira suplência do partido. No dia 31 de janeiro de 2023 se encerrava o mandato do “veterano” PM no legislativo estadual.
Para 2024 o projeto era ser eleito vereador de Natal pela primeira vez. A estratégia era clara: alinhamento integral ao bolsonarismo. O primeiro passo da caminhada foi a filiação ao PL. Em uma campanha muito bem estruturada no partido do clã Bolsonaro e financeiramente bem irrigada com os recursos do fundo partidário, Eliabe alcançou a marca de 4.224 votos e foi eleito para ocupar uma cadeira no legislativo municipal a partir de primeiro de janeiro de 2025.
No Palácio Padre Miguelinho, Eliabe está completamente alinhado à gestão do prefeito Paulinho Freire e reza a cartilha completa do bolsonarismo. Assim como ocorrem com outros políticos de extrema direita em outras casas legislativas espalhadas pelo Brasil, o vereador utiliza do espaço legislativo para replicar diversas pautas comuns mas que são irrelevantes para a cidade.
Ao longo de 10 meses no exercício do mandato, o vereador já propôs a concessão de títulos de cidadão natalense a Jair Bolsonaro e Nikolas Ferreira. Solicitou a reserva do plenário da casa para a realização de audiência pública para se discutir a “A Relevância dos Clubes de Tiro e CAC’s na Sociedade Natalense”. O subtenente ainda criou duas comendas: “Heróis de Farda” e “Mérito Tiro Desportivo”.
Apresentou emendas na votação da LDO com foco em “civismo, história nacional e patriotismo” e garantia ao financiamento de “programas de apoio à estrutura familiar e promoção dos valores morais”. Para incentivar a educação organizou a audiência pública “Escola sem ideologia, é possível?”. Ao mesmo tempo tentou suprimir eventuais recursos destinados a realização da “Parada LGBTQIAPN+”.
Na mesma linha de proposições que visam apenas agradar a base bolsonarista, mas que não possuem amparo jurídico e nenhuma relevância prática para a população de Natal, Eliabe apresentou projetos que tratam de “obrigatoriedade da realização de exame toxicológico para os ocupantes de cargos públicos” e a versão natalense da “Lei anti-Oruam”, que proíbe a contratação de shows que supostamente tragam “apologia ao crime organizado” e incentivo ao uso de drogas.
Outro ponto curioso na atuação de Eliabe ,na Câmara Municipal, está na sua atuação como membro de comissões temáticas. Ao todo, o vereador já emitiu 45 pareceres técnicos sobre os mais variados projetos da Casa. Somente três proposições foram rejeitadas pelo ex-policial. Por coincidência, apenas propostas de Daniel Valença (PT), Brisa Bracchi (PT) e Thabatta Pimenta (PSOL) tiveram o resultado desfavorável.
A metamorfose do vereador é no mínimo curiosa. No passado recente era um policial defensor de pautas progressistas que marchava ao lado da esquerda pelo fim da desmilitarização da Polícia Militar. No presente está um político que replica de forma literal o discurso bolsonarista.
Em qual o Eliabe se deve confiar?
