16.8 C
Ouro Branco

será a hora do “amavelmente evangélico”?

Anúncios

Getting your Trinity Audio player ready...

“Quando Primo Levi escreveu ‘É Isto um Homem’, naquela obra de mais de sessenta anos atrás, ele, sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz, já questionava o papel dos juízes. Ele dizia: ‘Os juízes são vocês, e não eu, que estou no campo de concentração’.

Partindo da reflexão do químico, filósofo, historiador italiano e judeu, e lembrando nessa hora outra obra célebre de Hannah Arendt, ‘Eichmann em Jerusalém’, (que também fala do papel de um tribunal), temos os juízes voltando, invariavelmente, à ribalta. Pobre Hans Kelsen, que defendia uma teoria pura do direito não contaminada pela política. Palmas pra Carl Schmitt!

Sem querer, aqui, confundir o leitor, não versado na filosofia e na ciência jurídica, temos, hoje, no Brasil, confrontos abertos numa relação clara entre judiciário e política. Entre aqueles que definem a atuação do Judiciário brasuca como ativismo judicial e outros que, simplesmente, orientados dos bancos das universidades da graduação até um doutorado defendem, somente um papel de controle da constitucionalidade, de defesa da constituição.

E nesse embate, temos hoje, com a indicação de Jorge Messias, no lugar de Luiz Roberto Barroso para o Supremo Tribunal Federal, (indicado por Lula no seu atual mandato), um novo confronto, ao menos retórico. Afinal de contas, nos seus tempos de governo pandêmico, Bolsonaro defendia um “terrivelmente evangélico para a Suprema Corte. Ironias do destino ou projeções da política, agora é um Jorge (não aquele da mitologia católica, que derruba um dragão com a lança), Messias, que traduz um previsível e futuro embate, entre,talvez, um ‘amavelmente evangélico” e um “terrivelmente evangelho.”

Não deixa de ser peculiar, num Brasil de uma high-tech Teologia do Domínio, prestes a se transformar numa teocracia, (ao menos, a depender de uma auto-intitulada “bancada da Bíblia” ),que, com seu conservadorismo e ministros religiosos (em sua maioria, com relógios, ternos e discurso “made in USA”), querem transformar o Brasil numa sucursal do paraíso, com seus “messias” movidos a ódio e cloroquina.

Eis que surge um novo Messias no horizonte dos poderes da República. Não mais aquele messias montado a cavalo, ou numa motocicleta, em plena pandemia a desafiar os poderes (especialmente o Judiciário que, agora, o condenou à cadeia, por tentativa de golpe de Estado); mas um messias mais light, nordestino, acadêmico, “politicamente correto”, e que não prega uma briga em nome da fé, mas o debate racional e quase iluminista, nos estertores do que ainda existe de pluralismo, ecumenismo e tolerância religiosa.

A indicação de Jorge Messias para o STF já era um assunto amplamente discutido e esperado. A escolha de Lula parece ter sido estratégica, considerando a necessidade de equilibrar as forças políticas e religiosas no país. Afinal de contas, se a direita de Bolsonaro tinha André Mendonça como coringa eclesiástico, por que não encampar, desta vez, um novo Messias?

A questão da representatividade evangélica no STF é interessante. A indicação de Jorge Messias para o Supremo é um sinal evidente, de que o governo Lula está buscando uma aproximação com o eleitorado evangélico. Não se trata, apenas, de uma questão de encontrar um candidato qualificado e independente para o cargo. Como apresentado em nuances, no documentário de Petra Costa, “Apocalipse nos Trópicos”, o papel político-eleitoral dos evangélicos, na política nacional recente, não é apenas relevante, é fundamental. Sem esse nicho, Lula sabe que tem, no seu projeto de reeleição para um quarto mandato, um forte obstáculo.

Em tempos onde temos um ativismo mais religioso que judicial, onde, cada vez mais, candidaturas são encontradas nos púlpitos, mais do que nos sindicatos e empresas de outrora, o discurso polarizado pode criar falsas dicotomias e simplificar questões complexas. A ideia de “crentes do bem” e “crentes do mal” é um exemplo disso, pois ignora a complexidade das crenças e ações individuais. Em síntese, transforma a política em coisa de Deus e do Diabo, e, nesse ambiente, até os julgadores são satanizados.

A defesa do estado laico brasileiro é fundamental, e a Constituição é clara nesse sentido. A questão é como garantir que o Supremo Tribunal Federal (STF) atue de forma independente e imparcial, sem ser influenciado por interesses políticos ou religiosos.

A crítica ao “ativismo judicial” é um tema recorrente, mas é importante lembrar que o STF tem um papel importante na defesa da Constituição e dos direitos fundamentais. A pergunta é como encontrar um equilíbrio entre a defesa da Constituição e a necessidade de evitar o ativismo judicial.

Em qualquer manual de Direito Constitucional e Direito Administrativo, destaca-se a importância do Judiciário como um ente político, mas também como um poder que deve atuar de forma independente e imparcial, mas não distante de uma realidade polarizada e alienada, que favorece populismos, extremismos, fake news e, sim, uma péssima política, a ser demonstrada pot um Congresso Nacional de tão baixa qualidade cultural e ética. A relação entre os poderes é complexa e pode ser tensionada, mas é fundamental para o funcionamento da democracia.

A questão da indicação (e possível nomeação) de Jorge Messias para o Supremo e a permanência de Mendonça é interessante, pois ambos podem vir a ser colegas, ministros do STF e vêm de ambientes religiosos diferentes. Não deixa de ser interessante você perceber, num debate Constitucional televisionado, como o Brasil pode conviver com dois julgadores cristãos de perfis tão distintos, apesar de tão semelhantes, em termos de fé e religiosidade.

A ideia de que existem dois Brasis e dois Brasis religiosos é um tema importante. A religiosidade plural e tolerante é fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A discussão sobre a religião e a política, estabelecida agora, com a indicação de um cristão progressista como Jorge Messias, a conviver com um cristão conservador, da estirpe de André Mendonça, pode ser um caminho para uma maior compreensão e respeito entre as diferentes correntes religiosas e políticas no Brasil.

Acompanhe as próximas cenas do capítulo constitucional que se desenha com a iminente tensão, que vai se dar no Senado, na futura sabatina de Messias pelos senadores, sobretudo as da oposição, em sua maioria, metidos a religiosos e guardiões da moralidade. Quem sabe o que o futuro (e Deus, pra quem acredita) reserva para o STF e para o Brasil?

Confira o conteúdo original aqui!

Mais artigos

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Últimos artigos