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Numa rápida passagem de 12 horas por Natal para falar sobre Direitos e Democracia, o jornalista Jamil Chade foi ouvido nesta quarta (22) por um auditório lotado no setor de Práticas Jurídicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Com nove livros publicados, sendo três finalistas do prêmio Jabuti, Jamil Chade tem muito a dizer, mas resolveu começar a conversa com uma reverência:
“Sempre lia os comentários internacionais com muita dúvida, até xenofobia e discriminação e, acima de tudo, até com um certo desprezo. Mas, ultimamente, eu tenho lido coisas muito bonitas sobre nós e como estamos resistindo aos ventos gelados do autoritarismo, como estamos nos tornando modelo. Tenho vontade de ligar para as redações quando vejo os jornais estrangeiros e dizer: sim, o Brasil é tudo isso, mas isso só aconteceu porque o Nordeste nos salvou!”.
Consciente de que a história não acabou e a batalha não foi vencida, o jornalista demonstrou preocupação com os rumos das democracias no mundo.
“Não é minha percepção sobre isso, os números mostram isso. Temos que lutar para que as opiniões sejam baseadas em dados, fatos. Uma pesquisa recente na Universidade de Gotemburgo, na Suécia, de maio de 2025, mostra que apenas 16% da população mundial vive em democracias liberais. Ou seja, a democracia é um luxo, é um direito que uma parcela minoritária do mundo tem, para termos uma dimensão do desafio que, pior, está encolhendo”, revelou o jornalista.
Jamil Chade acaba de lançar o livro “Tomara que você seja deportado”, resultado da experiência de um ano viajando pelos Estados Unidos.
“Me deixou muito impactado, a história que eu trago é sobre o que acontece com uma democracia deixa de atender milhões de pessoas. Depois de abandonar seus cidadãos, elas são sequestradas por charlatães que vão usar os instrumentos democráticos para chegar ao poder e lá desmontar”, avalia o jornalista que atribui à desigualdade a linha divisória entre opressores e oprimidos.
“A parcela de 1% mais rica do planeta detém o mesmo patrimônio de 95% da população mundial. Precisamos começar o debate por isso”, lamentou.
Pelos dados apresentados no encontro, essa parcela de 1% da população acumulou 33 trilhões de dólares nos últimos dez anos, valor suficiente para acabar com a pobreza no mundo 22 vezes.
“Não há falta de dinheiro no mundo. Quem morre de fome, morre assassinado, não há dúvida disso. Os números são um desafio para as democracias. Ao mesmo tempo, estamos vendo a criação de oligarquias globais capazes de controlar o destino de bilhões de pessoas, inclusive, dos nossos bolsos… não vamos lidar com a questão migratória, fome, pobreza, nem clima enquanto não houver um reconhecimento de que a concentração do poder e de renda estão na base de muitos desses desafios”, pondera Jamil Chade.
Reconhecido pela cobertura internacional e visão humanista, Jamil Chade contou a história dos afro-americanos que receberam um SMS em seus celulares anunciando a volta da escravidão.
“Logo depois da vitória de Donald Trump, ele não havia tomado posse ainda, me chegou uma notícia e eu separei um comunicado do Ministério Público que dizia o seguinte: afro-americanos receberam em seus celulares um SMS dizendo ‘fulano, a partir de amanhã, às 9h, apresente-se na esquina da rua tal com a tal. Não há necessidade de trazer os seus pertences. A colheita do algodão vai recomeçar’. Isso tem várias camadas de problemas, o primeiro, quem tinha acesso ao banco de dados das operadoras telefônicas para saber se o dono da linha era afro-americano ou não. Segundo problema, quem é esse grupo que tem a capacidade de disseminar um SMS para milhões de americanos com esse anúncio e terceiro, e esse não está no livro, dez meses depois, não há conclusão sobre como isso aconteceu. É dramático. Estou escrevendo essa matéria e recebo um email da escola dos meus filhos dizendo que vários dos nossos alunos negros receberam um SMS dizendo isso, isso e aquilo… Aí foi a primeira vez que eu entendi que isso tudo não vai acontecer longe da minha casa, vai acontecer muito perto”, analisa.
Para quem perdeu a disputada palestra, pode conferir os casos sobre violações observados por Jamil em sua experiência de um ano pelos Estados Unidos no livro “Tomara que você seja deportado”.
