17.7 C
Ouro Branco

O artista do interior do RN transforma afeto, território e memória em imagem

Anúncios

Getting your Trinity Audio player ready...

Por trás do nome @Tambundicestá Osani da Silva, 30 anos, natural de Acari, município do Seridó potiguar. Fotógrafo desde 2016 e cineasta desde 2021, Osani é uma das potências emergentes do audiovisual potiguar. Seu percurso começa com a sensibilidade de quem carrega no corpo e na imagem os traços de uma terra marcada por ancestralidade, afeto e ausência de registro.

Foi com a chegada da Lei Aldir Blanc, durante a pandemia, que ele estreou no audiovisual com o curta Morada (2021), documentando o cotidiano de sua cidade natal e de um amigo muito querido, Eilson Amarildo, o “Negão Azul”. Já havia ali o desejo de experimentar o audiovisual, como uma extensão do olhar que já vinha desenvolvendo através da fotografia. O passo seguinte veio em forma de um filme que uniu raízes e intimidade: Vermelhocurta-metragem realizado a partir do edital municipal da Lei Paulo Gustavo.

Protagonizado por sua mãe, Edna Maria, conhecida carinhosamente como Pupá, o filme é um retrato terno e vibrante de uma mulher popular, cambista de jogo do bicho, festeira, rezadeira e livre. Pupá é mais do que personagem: é coautora. “Construímos juntos, desde o roteiro até as escolhas dos lugares onde ela se sentiria à vontade de ser filmada”, conta Osani. O filme é um gesto de retribuição, uma forma de afirmar a existência da mãe com dignidade, liberdade e potência. “Queria mostrar a existência da minha mãe, sua importância, sua liberdade. Ser mãe solteira, mulher de mais de 50 anos, que vive sua liberdade independente da sociedade, misturando a ancestralidade indígena, a reza, a cura das ervas, com o cotidiano do forró, da seresta, do batom e das unhas vermelhas.” Desde sua estreia, Vermelho vem trilhando uma trajetória potente e cheia de afeto. O filme foi premiado como Melhor Documentário no 10º Festival de Cinema Curta Caicó (FCCJ), conquistou o 1º lugar na VII Mostra Cine Diversidade, além de ter sido eleito Melhor Curta Brasileiro pelo Voto Popular no Cine Minhocão 2025. Até aqui, já são mais de 20 seleções em mostras, festivais e cineclubes pelo Brasil. Em cada exibição, o público reconhece na figura de Pupá o rosto de tantas outras mulheres marcadas pela força, irreverência e sensibilidade.

Desde sua estreia, Vermelho vem colecionando afetos e reconhecimentos. Foram mais de 20 seleções em mostras e festivais, além de quatro premiações. A cada exibição, o público se reconhece nas imagens da personagem-título. “Recebo retornos muito bonitos sobre como Pupá parece com tantas outras mulheres com seu mesmo rosto e trejeitos”, relata o diretor. Mais do que projeção, o filme oferece pertencimento, e isso, para ele, é o maior retorno. “Levar nossa história para o Brasil e o mundo é mostrar que podemos contar a partir da nossa própria narrativa e não mais pelo olhar alheio sobre nossos corpos.”

Memória é força

Essa autonomia narrativa é um dos pilares do trabalho de Osani, cuja fotografia sempre teve um pé fincado na terra natal. Desde que comprou sua primeira câmera por 300 reais, a vontade era clara: registrar o cotidiano, as pessoas, os detalhes que corriam o risco de desaparecer. Inspirado pela escritora bell hooks e seu pensamento sobre memória e imagem, Osani transformou o registro em missão: “A documentação pode se tornar uma obsessão”, ele cita, reafirmando a urgência de criar contra o apagamento.

Interior como cenário

Foi com essa urgência que também acompanhou um dos momentos mais emocionantes de sua trajetória como artista e acarienses: a sangria do açude Gargalheiras, após mais de uma década de seca. “Esperei por esse momento desde adolescente. Acordei às cinco da manhã, subi a serra mais alta para fazer as fotografias. Foi muito marcante poder registrar aquilo.” As imagens repercutiram nas redes e na imprensa, reverberando o olhar de quem, com intimidade e respeito, documenta sua própria terra.

Sua estética é forjada pelas beiras: das cidades pequenas, dos encontros entre amigos, das memórias familiares. As referências estão nas conversas do cotidiano, nos afetos dos gatinhos, nas músicas preferidas e nos artistas que compartilham com ele o desejo de existir de forma inventiva e verdadeira. Não por acaso, o nome pelo qual ficou conhecido on-line também carrega essa origem popular e íntima: “Tambureti”, uma variação falada e reinventada da palavra “tamborete”, apelido que o acompanhava por ser baixinho e do interior. Com a popularização de suas imagens, criou esse “personagem”, que escapa dos estereótipos e se afirma com graça e autenticidade.

Para além da técnica, o que atravessa o trabalho de Osani é a corporeidade política. Pessoa transmasculina não-binária, entende sua existência como política desde sempre e a arte como meio de escancarar e recompor o que nos foi negado. “Tudo ao seu redor e dentro de você muda com a transição. A forma que você se relaciona consigo e com o mundo é mais intensa, cuidadosa, livre. Meu corpo é político desde a minha existência. Isso atravessa minha arte em todos os sentidos, inclusive nos imaginários sobre quem está por trás de uma criação artística ou intelectual.”

Entre todas as imagens que criou, ele diz que não há uma só que o represente por inteiro. Todas carregam um pouco de si, das suas histórias, das esquinas da infância, dos bares, das pessoas que ama. Suas imagens são tanto memória quanto gesto coletivo. Não se trata apenas de fotografar ou filmar, mas de fazer existir.

A quem começa agora, Osani deixa um conselho precioso: “Não importa o tempo ou o equipamento. Se tem vontade, não deixe pra depois. Foi pela insistência, urgência e necessidade que ainda continuo aqui, contando nossas histórias. Estudem, aprendam a captar recursos, participem de editais. Tenham ao lado pessoas parecidas com vocês. E nunca comparem sua trajetória com a de outros.”

Com um olhar delicado, mas profundamente potente, Osani, ou Tambureti, segue criando imagens que celebram o cotidiano e desconstroem os imaginários coloniais sobre o interior, sobre corpos dissidentes, sobre o que é arte. E com Vermelhofez do amor por sua mãe um manifesto audiovisual que hoje ecoa por onde passa: entre lágrimas, sorrisos e a certeza de que estamos, finalmente, contando nossas próprias histórias.

(tagstotranslate) fotografia

Confira o conteúdo original aqui!

Mais artigos

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Últimos artigos