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A pesquisa “A relação do brasileiro com o automóvel”, publicada em 2024 pelo Serasa, mostrou que o transporte está entre os três maiores gastos mensais do cidadão comum. Só perde para a alimentação e aparece à frente de despesas básicas, como água, luz e moradia.
O transporte público é um debate central no país e voltou à tona com mais força em outubro após o ministro Fernando Haddad confirmar que o governo Lula vem realizando estudos para saber a viabilidade de um programa nacional de isenção de tarifa no transporte público, o chamado “Tarifa Zero”.
O relatório “Cidades brasileiras com tarifa zero”, da Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU), mostrou que, até maio de 2025, 154 cidades brasileiras já haviam adotado a tarifa zero, seja de forma universal ou parcial. Desse total, 73% iniciaram o projeto há menos de 5 anos.
Na região Nordeste, os estados da Bahia, Ceará e Maranhão já contam com a experiência em algum município. Natal ainda não e nem há previsão para a implementação do benefício. No portal da secretaria municipal de Mobilidade Urbana (STTU) só existe uma relação de datas relacionadas à tarifa social, com desconto de 50% em feriados nacionais e municipais.
Desde 2023, tramita na Câmara Federal um projeto que institui o programa tarifa zero, de adesão voluntária por parte dos municípios. O autor da proposta é o deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP).
Com os estudos conduzidos pelo Ministério da Fazenda, o projeto voltou a ser debatido na Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara terça-feira (21), com a participação de apenas dois deputados do Rio Grande do Norte: Fernando Mineiro e Natália Bonavides, ambos do PT.
Em 2024, em meio à campanha para a prefeitura de Natal, a deputada federal Natália Bonavides (PT) concluiu uma especialização na área de Gestão Pública Municipal, na Universidade de Brasília (UnB). O trabalho de conclusão de curso dela foi sobre o projeto tarifa zero, que prometia implementar em Natal, caso fosse eleita.
Nesta entrevista especial à agência SAIBA MAISNatália Bonavides fala sobre o estudo que desenvolveu, de que forma ela entende ser possível a aplicação do projeto e critica as últimas gestões municipais pela relação não transparente com as empresas de ônibus da cidade.
SAIBA MAIS: Em meio à campanha eleitoral de 2024 a senhora conseguiu concluir um mestrado em gestão municipal pela Universidade de Brasília (UnB) apresentando a dissertação final sobre o projeto “tarifa zero” no transporte público. Por que escolheu esse tema e o que sua pesquisa mostrou?
Natália Bonavides: Pois é! Eu vinha fazendo a pós-graduação e a apresentação do trabalho final coincidiu com o período da campanha eleitoral de 2024, quando eu concorria à Prefeitura de Natal e debatíamos exatamente essa temática. A escolha do tema se deu pela necessidade urgente de instituirmos passagem gratuita não só na nossa capital, mas em diferentes municípios do país. Agora mesmo estamos debatendo no Congresso um projeto para a implementação da tarifa zero nacional no Brasil. Zerar a passagem dos meios de transporte públicos é muito importante, porque garante a toda a população o acesso à cidade, aos seus direitos, aos serviços públicos, ao lazer e a tudo que cada localidade tem a oferecer. Tudo isso sem custos para os usuários. É um grande fomento à circulação de pessoas nas cidades, uma medida que dialoga também, diretamente, com o estímulo à economia. Isso porque o transporte público representa hoje o segundo maior gasto mensal dos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil, ficando atrás apenas da alimentação. Esse dinheiro que vai deixar de ser empregado todo mês no transporte servirá para o povo utilizar em outras atividades, seja para fazer um curso, seja no comércio ou em serviços. Por isso é fundamental essa discussão e já passou da hora das cidades adotarem modelos de tarifa zero. E o que o meu trabalho de conclusão da pós-graduação mostrou é que isso é possível, viável e completamente executável em capitais como Natal, por exemplo.
Sempre que o tema “tarifa zero” volta ao debate, os gestores falam sobre o custo de um projeto como esse. Sua pesquisa calculou o custo da tarifa zero para Natal? Quem pagaria essa conta? De qual rubrica ou fundo sairiam esses recursos?
Quando a gente fala em tarifa zero, o questionamento número um é sobre quem pagaria essa conta. Mas é um cálculo relativamente simples. Você tem vários formatos que podem viabilizar o valor da passagem. Um deles é utilizar os próprios recursos do município. Estudos em algumas cidades já mostram que o impacto de um custeio deste sobre o orçamento não é tão significante, sobretudo quando se compara ao dinheiro que será injetado na economia da cidade, por causa da tarifa zero, e que vai voltar para os cofres públicos em forma de arrecadação de impostos. Outra maneira possível é concedendo isenção a empresas privadas para que elas invistam na tarifa zero. O problema em Natal, especificamente, é que temos um verdadeiro mistério sobre os lucros dessas empresas de ônibus e a operação do transporte público na cidade. Não se tem, por exemplo, dados para que possamos saber se o que se paga hoje de subsídio a essas empresas já não seria suficiente para implementar a tarifa zero. Então só teríamos como saber o modelo mais adequado para a capital potiguar depois de abrir a caixa-preta do Seturn.
“Zerar a passagem dos meios de transporte públicos é muito importante, porque garante a toda a população o acesso à cidade, aos seus direitos, aos serviços públicos, ao lazer e a tudo que cada localidade tem a oferecer”.
Aliás, há décadas se fala na caixa-preta do Seturn em razão da falta de transparência no custo real da operação do transporte público em Natal. Você chegou a denunciar várias vezes essa questão quando ainda era vereadora. Alguma coisa mudou de lá para cá? Qual a razão para tanta dificuldade ?
É um problema histórico na nossa cidade e que até hoje não foi resolvido. Não temos como equacionar os custos do transporte público sem saber quanto as empresas que vêm operando os ônibus de Natal lucram com esse serviço. A cada nova gestão, só vemos reajustes na tarifa e concessão de subsídios, justificados com suposta defasagem de lucro dos empresários do Seturn. Mas que lucro é esse? Quanto as empresas de ônibus têm faturado com o transporte de passageiros de ônibus em Natal? Ninguém nunca respondeu a essas questões.
No Brasil, mais de 150 cidades já adotam algum tipo de tarifa zero, seja integral ou em dias específicos. Em Brasília, por exemplo, aos domingos e feriados o transporte público é gratuito, seja ônibus ou metrô. Qual o cenário mais viável para Natal? Na sua visão, a tarifa zero deveria ser adotado de forma integral e de uma só vez, ou por etapas? Como seria esse processo?
Em todo debate sobre tarifa zero a gente adota modelos de transição do sistema vigente para o cenário de passagem gratuita para a população. Não é uma coisa que acontece do dia para a noite. Começamos selecionando determinados públicos, como estudantes e idosos. Ocorre de maneira gradual. Pode-se também adotar, inicialmente, a passagem grátis em alguns dias da semana, ou períodos do dia. É um processo para que cheguemos à plenitude da tarifa zero. Portanto seria dessa maneira também a forma ideal de implementação de um projeto dessa natureza em Natal.
“Estudos em algumas cidades já mostram que o impacto de um custeio deste sobre o orçamento não é tão significante, sobretudo quando se compara ao dinheiro que será injetado na economia da cidade, por causa da tarifa zero, e que vai voltar para os cofres públicos em forma de arrecadação de impostos”
Pelo perfil político das cidades que já adotaram o projeto em alguma medida fica claro que a aplicação da tarifa zero vai além da ideologia. Isso porque há cidades administradas pelo PT, como Maricá-RJ, e outras por gestores alinhados ao bolsonarismo, como Brasília, que já implementaram a tarifa. O que, na sua visão, impede Natal de adotar essa mesma postura?
Em Natal, há uma relação entre as gestões que vêm ocupando a prefeitura da cidade e as empresas de ônibus que nunca ficou muito bem explicada. Um exemplo disso é a tal caixa-preta do Seturn, que impede o avanço do transporte na nossa capital: se não é do Município o dever de cobrar o detalhamento da operação do transporte público municipal, de quem mais seria? Por que não temos repostas? Portanto existe aí uma relação mal posta que inviabiliza diretamente a implementação de melhorias no transporte, incluindo a tarifa zero. Fato é que se trata de um projeto que beneficiaria diretamente a população de Natal e que, portanto, deveria ser prioridade para a prefeitura.
Que experiências no Brasil ou em outros países a senhora conheceu relacionadas ao tarifa zero que mais lhe chamaram a atenção?
Sobre isso, é importante observar que já temos 150 cidades no Brasil que adotaram modelos de tarifa zero, mostrando que é totalmente possível conceder as passagens gratuitas para a população. Casos que chamam a atenção no nosso país são os de cidades médias, como Caucaia, Macaé, por exemplo, e Maricá. Todas essas experiências têm gerado bons frutos para os respectivos Municípios.
Há estudos que indicam que o valor que o cidadão economizaria no transporte público deixando de pagar a tarifa de ônibus voltaria para a economia através de investimentos em bens e serviços. Qual o impacto de um projeto como esse na vida econômica, social e também na qualidade de vida das pessoas?
Zerar a passagem dos meios de transporte públicos é muito importante, porque garante a toda a população o acesso à cidade, aos seus direitos, aos serviços públicos, ao lazer e a tudo que cada localidade tem a oferecer. Tudo isso sem custos para os usuários. É um grande fomento à circulação de pessoas nas cidades, uma medida que dialoga também, diretamente, com o estímulo à economia. Isso porque, como falei há pouco, o transporte público representa hoje o segundo maior gasto mensal dos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil, ficando atrás apenas da alimentação. Esse dinheiro que vai deixar de ser empregado todo mês no transporte servirá para o povo utilizar em outras atividades, seja para fazer um curso, seja no comércio, ou em serviços. E são recursos que voltam para os cofres públicos em forma de arrecadação de impostos. É uma mudança transformadora no cotidiano da cidade.
“A cada nova gestão, só vemos reajustes na tarifa e concessão de subsídios, justificados com suposta defasagem de lucro dos empresários do Seturn. Mas que lucro é esse?”
O Ministro Fernando Haddad disse em entrevista que o governo federal está realizando estudos para implementar o tarifa zero no país e que o projeto deve ser um dos motes da campanha do presidente Lula à reeleição em 2026. Que avaliação a senhora faz dessa declaração e como vê o projeto sendo implementado em nível nacional?
Estamos debatendo isso exatamente nesta semana no Congresso. Estou participando desse processo. É momento de ouvir as partes envolvidas no processo: usuários, prefeituras, especialistas e toda a cadeia do transporte público. Temos feito isso na Câmara dos Deputados. O estudo está sendo feito para verificar a viabilidade da implementação da tarifa zero em nível nacional e esse estudo é que vai poder definir se é uma proposta viável. Sobre isso, é importante destacar a preocupação do governo federal, do presidente Lula, com a questão da mobilidade. Evidencia também o quanto o governo está ligado no debate, que é super quente e urgente, quando propõe esse tipo de estudo. Essa deveria ser também a preocupação de todos os municípios, que são os principais responsáveis pelo transporte urbano.
