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Histórias de amor? Tem certeza?

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Com o mundo ao contrário, como cantaria Nando Reis, com Milei acuado após a fraude das criptomoedas, Trump acossando a Europa, Bolsonaro choramingando por anistia e uma onda de calor infernal, cogitei escrever sobre algum desses temas, ou até sobre isso tudo, junto e misturado. Mas dois comentários que processei como provocação me levaram a escrever as mal traçadas linhas dessa semana sobre um assunto tão importante e poderoso quanto os acima mencionados: o amor. Ou a ausência dele.

Semana passada postei no Feicebuque meus apontamentos pessoais sobre o filme estadunidense “Anora”, vencedor de Cannes e um dos favoritos para o Oscar, definido como uma comédia agridoce sobre uma stripper que se envolve com um jovem russo e é pedida em casamento por ele, o que enfurece a família do rapaz. Escrevi que “a inconsequência juvenil dos protagonistas de Anora remete a Romeu e Julieta, outra história de paixão adolescente confundida com amor (mas que seria tema para outro texto”. Horas depois, no privado, um amigo e uma amiga vieram com o mesmo espanto: então para você, Cefas, Romeu e Julieta não é uma história de amor?

Respondi enfaticamente que não. Nunca foi. É uma história de paixão adolescente, de um rapaz que vai domingo em um baile de máscaras ver Rosalinda, por quem se diz loucamente apaixonado, e numa dança se fascina por uma menina de 14 anos (a idade dela é citada duas cenas antes) da família rival. Após abordá-la na festa e trocarem galanteios e beijos, ele foge dos amigos bêbados e vai até a sacada do seu quarto, se beijam, transam e ele dorme com ela. No dia seguinte, segunda, se casam secretamente graças a um padre que quer unir as famílias adversárias. No caminho para avisar sua família do casamento, acaba matando o primo da esposa e no dia seguinte, terça, é exilado por ordem do príncipe. No dia seguinte, quarta, avisado da (falsa) morte da moça, vai ao sepulcro dela e se mata. Na manhã da quinta a menina acorda do sono induzido que parecia morte, vê o amado morto e suicida. Tudo isso em cinco dias. Romeu e Julieta se conheceram na festa, dormiram juntos, se casaram e só se viram na morte.

Tudo muito lindo e triste e emoldurado por alguns dos maiores versos da literatura mundial, mas, que não configura amor e sim ímpeto adolescente. Em Shakespeare encontramos amor entre Hamlet e Ofélia e, talvez, entre Otelo e Desdêmona. Posso não ter convencido o amigo e a amiga, e ressalto que é uma opinião minha apenas, mas deixei eles com uma pulga atrás da orelha, certamente. Até porque também registrei outras “histórias de amor” que não o são. Como a de Scarlett O´Hara e Rhett Butler em “E o vento levou”, onde vemos atração, tensão sexual, oportunismo, mas não amor, na minha humilde opinião. Também considero que em “Casablanca”, Rick Blaine e Ilsa Lund mais tentam requentar uma paixão de verão (“Nós sempre teremos Paris”) que não teve um fim esclarecido do que sentem um amor autêntico um pelo outro. Tanto que considero justo Rick insistir para que Ilsa parta no avião com Victor Laszlo, que tinha uma motivação maior e mais relevante (reunir a resistência e enfrentar o nazismo em plena Segunda Guerra) do que as saudades e neuras do ex-casalzinho que se reencontrou .

Na verdade, parte considerável das chamadas “histórias de amor” na literatura e no cinema passam mesmo é por química sexual (quem nunca confundiu as duas coisas que atire a primeira pedra), colocando nesse balaio Jivago e Lara (“Doutor Jivago”), Oscar e Mimi (“Lua de fel”), Anna Karenina e o Conde Vronsky, e por aí vai.

E o amor verdadeiro, não existe? Claro que sim, mas a arte, possivelmente iniciada pelos menestréis na Idade Média, se dedicou a mostrar o amor de maneira dramática, sofrida, confundida com outros sentimentos (desejo sexual, inconformismo, admiração, subversão social) até porque “a sorte de um amor tranquilo”, como diria Cazuza, não dá pano pra manga em livros e filmes. Que o excelente “Anora”, onde um rapaz mimado paga uma garota de programa para passar a semana com ele e entre um porre e outro se casa com ela em Las Vegas para obter cidadania americana, seja considerado “uma história de amor” diz mais sobre a percepção (e talvez carência) do público atual do que sobre o filme.

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