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Grupo busca cancelar cessões de terreno da Via Costeira a empresas privadas

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O Observatório do Direito à Cidade Sustentável, Justa e Democrática (ObCiD), projeto de extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), entrou com uma representação no Tribunal de Contas do Estado (TCE-RN) em que pede a suspensão de acordos para cessão de terrenos da Via Costeira à iniciativa privada.

A denúncia é voltada principalmente a dois órgãos do Governo do Rio Grande do Norte: a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e a Companhia de Processamento de Dados do Rio Grande do Norte (Datanorte).

Em 1977, por meio do Decreto Estadual nº 7.237/77, o Governo do Estado do Rio Grande do Norte desapropriou uma área de aproximadamente 1.350,00 hectares para criar o projeto urbanístico da Via Costeira/Parque das Dunas, em razão, entre outros, do valor paisagístico e das funções ambientais que essa área desempenha para a cidade. No decorrer dos anos, outras áreas foram desapropriadas para efetivação desse plano urbanístico que margeia a orla marítima da praia de Ponta Negra até a praia de Areia Preta.

Nas décadas seguintes, especialmente durante os anos 1980 e 1990, o poder público estadual, inicialmente por intermédio da Empresa de Promoção e Desenvolvimento do Turismo do Rio Grande do Norte (Emprotur) e, a partir de 1995, ds Datanorte, promoveu a cessão de diversos lotes situados ao longo da Via Costeira a particulares. Essas cessões, que incluíam terrenos de marinha originalmente transferidos pela União ao Estado, foram outorgadas sob o pretexto de fomentar o desenvolvimento do setor turístico local. Como contrapartida, foi estabelecida a obrigação contratual, por parte dos donatários, de construir e operar equipamentos hoteleiros dentro dos prazos definidos nas concessões.

Entretanto, segundo a representação, um número expressivo de concessionários não cumpriu com as obrigações contratuais e legais assumidas, e a não construção dos complexos hoteleiros levou à caducidade das concessões outorgadas. Consequentemente, operou-se a reversão de pleno direito dos respectivos imóveis ao patrimônio público estadual, como medida de proteção ao interesse público e à finalidade original da cessão.

Em decorrência dos descumprimentos e da necessidade de resguardar o patrimônio público, a Datanorte, na qualidade de entidade gestora desses ativos estaduais, entrou com diversas ações judiciais para retomar os terrenos cujas concessões haviam caducado.

“Muitas dessas demandas judiciais lograram êxito, culminando em sentenças transitadas em julgado que consolidaram, de forma definitiva, a propriedade estatal sobre os imóveis não edificados. A partir de então, impunha-se à Administração Pública o dever de reavaliar a destinação desses bens, orientando-se estritamente pela ótica do interesse público e pelas necessidades contemporâneas da coletividade”, diz a denúncia.

Revalidação de concessões extintas e celebração de novos acordos

Na representação, o Observatório questiona a celebração de novos acordos sobre os lotes da Via Costeira, que foram detalhados em recomendação conjunta do Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público Estadual (MPRN) no ano passado.

Os acordos foram firmados em maio de 2024 a partir da Datanorte, com anuência da PGE, com os antigos donatários ou seus sucessores, cujas concessões originais já estavam juridicamente extintas pela caducidade e, em diversos casos, já haviam sido retomadas pelo estado.

A denúncia afirma que os acordos possuem o objetivo prático de “ressuscitar” direitos que já não subsistiam no ordenamento jurídico, conferindo aos antigos concessionários, historicamente inadimplentes, novos e extensos prazos para a hipotética construção dos empreendimentos hoteleiros — a exemplo de um novo prazo de três anos para o início das construções.

“Suscita particular e grave preocupação o fato de que tais ‘renovações’ ocorrem em um contexto urbanístico substancialmente alterado, indicando uma possível manobra para viabilizar a ocupação desses valiosos terrenos públicos sob a égide das novas e consideravelmente mais permissivas regras estabelecidas pelo Plano Diretor de Natal (Lei Complementar Municipal nº 208/2022), bem como por legislações urbanísticas estaduais subsequentes, como a Lei Estadual nº 12.079, de 17 de fevereiro de 2025 (cuja aplicabilidade e vigência podem ser questionadas, mas que demonstra a intenção legislativa), que propõe a reformulação do projeto original ‘Parque das Dunas/Via Costeira’”, diz trecho da representação.

Para o Observatório, a reabertura de discussões sobre concessões já extintas e a potencial devolução de patrimônio público já devidamente consolidado nas mãos do Estado a particulares que, no passado, demonstraram a incapacidade ou desinteresse em cumprir com as obrigações contratuais assumidas, carecem de qualquer interesse público manifesto que possa justificar os atos administrativos.

“Pelo contrário, tal conduta administrativa sugere, com veemência, a possibilidade de favorecimento indevido a particulares, em flagrante detrimento da oportunidade de destinar esses estratégicos espaços a finalidades que melhor atendam aos anseios e necessidades da coletividade. Agrava este cenário a patente ausência de transparência e publicidade na condução desses novos acordos, os quais parecem ter sido gestados à margem do devido escrutínio público e sem a participação efetiva dos órgãos de controle institucional e da sociedade civil organizada, em desrespeito aos princípios republicanos que devem nortear a gestão da coisa pública”, afirma o documento.

Quais são as empresas

No documento do ano passado produzido pelo MPF e MPRN, são detalhadas as sete empresas que fizeram novos acordos com a Datanorte. No entendimento do Ministério Público, os acordos, da forma como foram realizados, ferem o interesse público e não encontram amparo legal. As empresas são:

G. CINCO PLANEJAMENTOS E EXECUÇÕES LTDA (processo nº 0010774-50.2006.8.20.0001);

PAULISTÂNIA HOTEIS E TURISMO S/A (processo nº 0001814-42.2005.8.20.0001);

COSTEIRA PALACE HOTEL S/A (processo n° 0002387- 80.2005.8.20.0001);

HOTEL PARQUE DAS DUNAS S/A (processo n° 0001821- 34.2005.8.20.0001);

ZENÁRIO COSTEIRA LTDA (processo n° 0002391- 20.2005.8.20.0001);

VIA COSTEIRA HÓTEIS LTDA (processo n° 0002389- 50.2005.8.20.0001);

IGNÊS MOTTA DE ANDRADE (processo n° 0002390- 35.2005.8.20.0001).

Para o Observatório do Direito à Cidade Sustentável, Justa e Democrática, a “ressurreição” de concessões antigas, com o intuito de viabilizar novas e potencialmente mais impactantes construções, representa um ato de gestão patrimonial eticamente questionável e juridicamente frágil, e também a materialização de um grave e evitável risco ambiental.

“Configura-se, ademais, uma clara política de privatização de espaços públicos que poderiam e deveriam ser destinados ao uso comum, ao lazer, à cultura, à educação ambiental e à contemplação da paisagem, em flagrante detrimento do interesse coletivo e da almejada sustentabilidade urbana de Natal. A progressiva perda do acesso visual e físico a um dos mais belos e significativos patrimônios naturais da cidade é uma consequência direta e lamentável dessa política de ocupação”, aponta.

Anulação dos acordos

No documento, o Observatório pede que o TCE aceite a representação e conceda uma medida cautelar para determinar a imediata suspensão dos efeitos jurídicos e materiais de todos os “Termos Aditivos de Acordo de Renovação da Concessão de Direito Real de Uso” firmados no ano passado, além da instalação de uma inspeção ou auditoria para investigar os fatos denunciados.

Ao final, caso se confirmem as irregularidades apontadas, o Observatório busca a nulidade absoluta dos acordos por violação aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, ao dever constitucional de licitar e às normas de proteção ambiental e urbanística, assim como a apuração de responsabilidades dos agentes envolvidos.

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