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Fundo Especial de Financiamento de Campanha e Representação Política

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Até 2015, a legislação brasileira permitia o financiamento privado de campanhas eleitorais, ou seja, que pessoas e empresas fizessem doações para campanhas políticas. Isso tornava explícitas as distorções e desigualdades nas disputas eleitorais, nas quais o poder econômico era decisivo. Os candidatos financiados, principalmente por empresas, tinham muito mais chances de serem eleitos e, mais do que isso, passavam a representar, nos respectivos parlamentos, não os interesses dos eleitores, mas os dos financiadores das campanhas.

A legislação só mudou em setembro de 2015, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) impetrada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e, por maioria de votos, julgou procedente o pedido para declarar inconstitucionais os dispositivos legais que autorizavam as contribuições financeiras de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais.

A decisão do STF visava tornar as eleições mais democráticas, sem a influência decisiva de financiadores privados (especialmente empresas), e possibilitar uma disputa eleitoral mais equilibrada.

Dois anos depois, em 2017, foi criado o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (Lei nº 13.487, de 6 de outubro de 2017). A partir daí, a principal fonte de recursos para os partidos passou a ser pública, conforme os artigos 16-C e 16-D da Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições). A legislação também estabeleceu a obrigatoriedade de destinar 30% dos recursos às candidaturas femininas.

Em 2019, as diretrizes gerais para a gestão e distribuição desses recursos passaram a ser regulamentadas pela Resolução nº 23.605 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que os disponibiliza aos diretórios nacionais dos partidos políticos. O artigo 5º estabelece que a liberação dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC) deve ocorrer até o primeiro dia útil do mês de junho do ano eleitoral e ser distribuída, em parcela única, aos diretórios nacionais dos partidos, observados os seguintes critérios:

I – 2% divididos igualitariamente entre todos os partidos com estatutos registrados no TSE;

II – 35% divididos entre os partidos que tenham pelo menos um representante na Câmara dos Deputados, na proporção do percentual de votos obtidos na última eleição geral para a Câmara;

III – 48% divididos entre os partidos, na proporção do número de representantes na Câmara dos Deputados;

IV – 15% divididos entre os partidos, na proporção do número de representantes no Senado Federal.

O Fundo Especial de Financiamento de Campanha constitui despesa obrigatória, portanto, sem contingenciamento. O texto ainda estabelece que “todas as normas que regem as atividades das legendas nas eleições devem ser aplicadas também às federações de partidos”, preservando-se a identidade e a autonomia de cada sigla.

Em tese, o Fundo deveria proporcionar equilíbrio na disputa entre os partidos e candidatos. Mas foi isso que ocorreu nas eleições subsequentes? Ou ele serviu fundamentalmente para ampliar o poder dos partidos, transformando-os em máquinas burocráticas sustentadas por recursos públicos, com critérios de distribuição muitas vezes pouco transparentes?

A primeira eleição financiada com recursos do Fundo foi em 2018, com o valor de R$ 1,7 bilhão. Em 2022 e 2024, o montante subiu para R$ 4,9 bilhões. Para as eleições de 2026, a Comissão Mista de Orçamento aprovou, em 30 de setembro de 2025, um fundo de R$ 4,9 bilhões, valor 3,9 bilhões a mais que a proposta original do governo (R$ 1,13 bilhão), representando um aumento de 390%.

A instrução normativa aprovada prevê cortes de R$ 2,933 bilhões da reserva destinada às emendas de bancada estadual de execução obrigatória e mais R$ 1,13 bilhão e R$ 850 milhões de dotações destinadas a despesas discricionárias. O argumento foi o de manter o valor idêntico ao das duas eleições anteriores.

Se for aprovada pelo Congresso, será encaminhado à sanção presidencial. O presidente pode aprovar integral ou parcialmente, ou vetar a proposta. Caso o veto ocorra, o projeto retorna ao Congresso, que pode derrubá-lo mediante maioria absoluta — 257 deputados e 41 senadores.

Em editorial publicado em 6 de outubro de 2025 sobre o tema (O alto custo da má representação política), o Estado de S.Paulo, afirma que o Fundo Eleitoral de quase R$ 5 bilhões para 2026 “expõe um Congresso mais ocupado em manter privilégios do que em encampar os reais anseios da sociedade” e que “esse divórcio amesquinha a democracia”.

Embora seja inegável que campanhas eleitorais têm custos, o problema está nos critérios de definição do valor total — e, principalmente, no modo como os partidos utilizam esses recursos. Enquanto há discursos no Congresso sobre cortes em áreas essenciais, como saúde e educação, o fundo eleitoral aumenta 390%. Se há apoio a um ajuste fiscal, por que não reduzir o fundo em vez de ampliá-lo?

Segundo o mesmo editorial, “a qualidade do ‘produto’ que os cidadãos recebem em troca do vultoso investimento público na atividade partidária é indigente”. E que “O Congresso não se cansa de mostrar que está divorciado das angústias mais prementes da população. Em vez de se dedicar à formulação de políticas públicas capazes de melhor a vida concreta dos brasileiros, dedica-se a ampliar seu poder sobre o Orçamento da União, por meio de emendas suspeitíssimas, e a engendrar mecanismos de autoproteção contra investigações criminais por eventuais desvios desses recursos, entre outros crimes”.

Um exemplo recente do desgaste político, do divórcio entre representantes e representados, foi à chamada PEC da Blindagem (que ficou conhecida como PEC da Bandidagem) que foi aprovada na Câmara, mas rejeitada por unanimidade no Senado após forte pressão popular, com manifestações em todas as capitais do país e outras cidades. Como destacou o jornal, “só foi enterrada no Senado porque a sociedade ergueu sua voz contra a sem-vergonhice nas ruas”.

Os partidos, ao se transformarem em máquinas burocráticas alimentadas por recursos públicos, reduzem a participação de seus filiados e contribuem para o descrédito do Parlamento. De acordo com pesquisa do Instituto Genial/Quaest, realizada entre 13 e 17 de agosto de 2025, 63% dos entrevistados afirmaram não confiar em partidos políticos, enquanto apenas 36% disseram confiar.

A percepção negativa aumentou em relação a 2024, quando 58% diziam não confiar. O levantamento mostrou ainda que os partidos políticos figuram como as instituições menos confiáveis do país.

O uso inadequado dos recursos reforça essa desconfiança. O editorial de O Globo (6 de outubro de 2025) lembrou que “nas últimas eleições não faltaram denúncias de uso de recursos para promover festas, churrascadas, construir piscinas, comprar taças de vinho e alugar frotas de carros a preços milionários e outros descalabros”.

A proposta de R$ 4,9 bilhões é “mais de 75% acima do previsto para as eleições de 2018, corrigido pela inflação”. E, considerando o avanço das ferramentas digitais, “é inconcebível que o Congresso almeje tanto dinheiro a mais para uma campanha que deveria custar menos que as anteriores”.

Há, portanto, um claro divórcio entre sociedade e Congresso, este voltado a seus próprios interesses e não aos problemas reais do país, como entre outros, saúde, educação, segurança pública e combate às desigualdades sociais.

Outro exemplo foi a votação na Câmara dos deputados no dia 8 de outubro, que por 251 votos a 193, decidiu retirar de pauta uma Medida Provisória que substituiria o aumento do Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF) e previa um arrecadação extra, um aumento de receita que deveria ser usado para programas sociais, como bolsa família, e também para saúde, educação, segurança pública etc. O texto previa, entre outros, a tributação de títulos de investimentos e cobranças retroativas de empresas de bets.

A derrota do governo, uma das maiores desta gestão, foi essencialmente em benefício de bancos, bets e grandes investidores, e teve a participação decisiva do Centrão, em especial do PP e União Brasil,  e deve gerar um rombo de mais de R$ 40 bilhões em receitas e cortes previstos para o próximo ano.

Como disse o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias : “Infelizmente vai crescer no seio do povo, a tese de que este congresso tem se posicionado como inimigo do povo brasileiro”.

Para o presidente Lula, o objetivo da MP era corrigir injustiças do sistema tributário e que não foi uma derrota do governo, mas do povo brasileiro e acusou os deputados de defenderem os mais ricos.

O cálculo foi político. Não estava se importando com os benefícios sociais, de investimentos em políticas públicas, etc., mas nos lucros políticos do presidente Lula em relação às eleições do próximo ano.

Da mesma forma que o volume injustificável de recursos para campanhas eleitorais contribui para o descrédito da política e do Congresso Nacional em particular.

Como afirma o editorial do Estadão, “toda democracia tem custo, mas para tudo deve haver limites, estabelecidos pela racionalidade e por normas legais. O avanço do Congresso sobre o Orçamento, com a multiplicação das emendas parlamentares, já alcança patamares sem paralelo no planeta. Juntem-se a isso os gastos excessivos de campanha propiciados pelo fundo eleitoral, e tem-se a receita infalível para o descontrole, o desperdício e a corrupção”.

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