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Fraude à cota de gênero no RN: pesquisadora vê “resistência estrutural”

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O Rio Grande do Norte teve, nas eleições de 2020, 11 vereadores eleitos que posteriormente perderam os mandatos por fraude à cota de gênero, segundo dados do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RN); em 2016, a Justiça Eleitoral não registrou nenhuma perda de mandato por este motivo. Já para 2024, com processos ainda em andamento, uma fraude já foi confirmada no município de Equador, resultando na perda de mandato de dois parlamentares. Para Vanderlânia Ferreira, mestre em Ciências Sociais e Humanas pela Uern e pesquisadora da participação feminina na política, as candidaturas fictícias revelam uma “resistência estrutural” dentro dos partidos, “que ainda reproduzem uma lógica política onde a dominação masculina nesses ambientes ainda é a prioridade”.

A fraude em Equador foi confirmada na última quinta-feira (29), quando o TRE-RN cassou o registro de todos os candidatos do Solidariedade que concorreram às eleições de 2024. Por lei, 30% da nominata dos partidos deve ser de candidaturas femininas. Dois vereadores eleitos pela legenda, José Frankney de Souza Andrade e Luiz Carlos Pereira da Silva, também tiveram seus mandatos cassados.

O juiz Wilson Neves de Medeiros Júnior da, 24ª Zona Eleitoral, que compreende os municípios de Equador, Parelhas e Santana do Seridó, já marcou a data para a retotalização dos votos no município. Será na próxima quinta (5), às 8h30, na sede do Cartório Eleitoral da 24ª ZE, localizada em Parelhas.

Outro caso aconteceu em fevereiro no município de Alexandria, quando dois vereadores do Republicanos também foram cassados por irregularidades na cota de gênero. João Victor da Silva Magno e Carlos Alberto Sarmento de Oliveira, contudo, recorreram e o caso está na segunda instância — por isso, seguem com o mandato.

A pesquisadora Vanderlânia Ferreira acredita que os partidos e candidatos se sentem à vontade para fraudar a cota de gênero principalmente porque sabem que a fiscalização não é automática e nem abrangente.

“Na prática, o sistema de controle depende muito de denúncias e investigação do TSE e de um acompanhamento específico caso a situação levante suspeitas. Então, se não há uma denúncia formal ou algum indício muito claro, muitas dessas fraudes acabam passando despercebidas e nunca chegam a ser analisadas pela Justiça Eleitoral”, aponta.

“Junto a isso, muitos partidos consideram mais fácil burlar a lei e criar candidaturas fictícias do que realmente investir na construção de lideranças femininas. Isso revela uma resistência estrutural muito clara dentro desses partidos, que ainda reproduzem uma lógica política onde a dominação masculina nesses ambientes ainda é a prioridade”, diz a pesquisadora.

Cotas de gênero aumentam representação, mas têm impacto limitado

De acordo com Ferreira, as cotas de gênero tiveram, sim, um efeito prático no aumento do número de candidaturas femininas, mas o impacto na ocupação efetiva dos cargos ainda é bastante limitado.

“Ainda há uma grande disparidade entre o número de candidatas e o número de eleitas, especialmente quando entendemos que apenas a reserva de candidatura não se mostra suficiente para garantir essa participação. É necessário que além dessa abertura inicial, essas mulheres tenham financiamento e apoio partidário dos partidos políticos — o que, muitas vezes, não têm”, diz.

Ela diz que, quando conseguem se eleger, muitas dessas mulheres — especialmente aquelas cujas trajetórias estão vinculadas a movimentos sociais — acabam, sim, levando pautas que promovem os direitos das mulheres e a participação feminina. Ela cita o exemplo da sindicalista Marleide Cunha, que cumpre o segundo mandato como vereadora em Mossoró pelo PT.

“Ela entrou na política através de uma trajetória longa de militância e as pautas que ela trabalha dentro da Câmara Municipal da cidade mostram isso de maneira muito clara, pois ela já se encontrava trafegando por esses temas antes mesmo de ser vereadora. No entanto, é válido destacar que nem todas seguem essa agenda — isso depende do perfil político de cada uma e do próprio espaço de atuação que elas encontram dentro da Câmara. Afinal, dependendo da composição da casa legislativa, as propostas nem sempre são levadas em consideração pelo restante da bancada”, afirma.

Fiscalização

Segundo a cientista social, a Justiça Eleitoral criou, sim, mecanismos legais para coibir as fraudes.

“O caso de Valença, no Piauí, em 2019, estabeleceu precedentes importantes para o que fazer nessas situações e a Súmula 73, especificamente criada para isso pelo TSE, determina o que é ou não fraude e as consequências disso. Que, nesses casos, como vimos é de que a comprovação da fraude de cota de gênero compromete, principalmente, toda a legenda do partido, independentemente se os candidatos vinculados possuíam ciência ou não da fraude.”

No entanto, de acordo com Vanderlânia Ferreira, o problema está, principalmente, na capacidade de fiscalização, que depende muito de denúncias e investigações locais.

“Não é um sistema que consiga investigar e detectar essas fraudes sozinho, de forma automática e eficiente, então isso acaba deixando uma brecha para que esse tipo de prática passe despercebida e continue sendo realizada”, aponta.

Possíveis mudanças nas regras

Atualmente, o Senado estuda uma mudança no Código Eleitoral que trocaria a cota de gênero de 30% nas eleições proporcionais por uma reserva de 20% das vagas nos parlamentos federal, estaduais e municipais para as mulheres, em regra que valeria por 20 anos. Ferreira vê a proposta de reservar cadeiras para mulheres no parlamento como um avanço no sentido de corrigir uma desigualdade histórica na política brasileira, e diz que é uma ação debatida entre vários pesquisadores da área há alguns anos, inclusive porque existem outros países na América Latina já fazem isso.

No entanto, a pesquisadora diz que é fundamental entender que as reservas de cadeiras e a cota de candidaturas são mecanismos complementares, e não excludentes.

“A cota mínima de candidaturas femininas continua sendo essencial para estimular a participação e a inserção dessas mulheres no processo eleitoral pelos partidos políticos e a reserva de cadeiras é necessária para garantir que elas possam, de fato, ocupar esse espaço. Além disso, o percentual proposto de 20% pode, ainda, ser considerado bastante tímido, principalmente se considerarmos que as mulheres são mais de 50% da população brasileira”, aponta.

Para a pesquisadora, como medida temporária, o dispositivo deveria prever um aumento progressivo até alcançar, no mínimo, a paridade de gênero.

“Caso contrário, podemos acabar naturalizando uma sub-representação como se ela fosse suficiente”, alerta.

“Debater sobre a criação de uma reserva de cadeiras é essencial, mas acredito que essa proposta atual pode ser melhor adaptada, afinal, se aprovada, uma medida como essa tem o potencial de transformar de maneira muito significativa a composição dos parlamentos brasileiros e acelerar um processo de inclusão que avança de maneira lenta”, acredita.

Crescimento de 0 para 11 cassações

O maior número de cassações no RN relativas às eleições de 2020 ocorreu no município de Martins. Em agosto de 2022, seis novos vereadores foram diplomados após a cassação de seis outros vereadores do DEM, hoje União Brasil, depois que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) considerou que o partido utilizou uma candidatura laranja para fraudar a cota de gênero nas eleições municipais de 2020. Um dos cassados era o presidente da Câmara.

Em 2023, em Macau, foi a vez de Chico Baixinho, do Republicanos, perder o mandato após o TSE reconhecer o lançamento de três candidaturas femininas fictícias nas eleições de 2020. O ex-vereador havia recebido 317 votos naquela eleição. A denúncia foi feita pelos diretórios municipais do PT e PSOL, que mostraram que uma das candidatas não votou nem em si mesma.

Em Currais Novos, o reconhecimento da fraude levou a feminista Rayssa Aline (PT) à Câmara Municipal. A Justiça Eleitoral impugnou o mandato de Professor Marquinhos (DEM) após comprovar que uma das candidatas do partido teve votação zerada, não arrecadou recursos, não apresentou gastos de campanha e houve ausência de atos de campanha. A decisão levou à recontagem dos votos do quociente eleitoral e partidário e declarou a inelegibilidade da candidata.

Já na segunda maior cidade do Rio Grande do Norte, Mossoró, três vereadores, incluindo uma mulher, perderam seus cargos eletivos por seus partidos tentarem burlar a lei registrando candidatas fictícias. Juntas, as ações resultaram na inelegibilidade de treze pessoas envolvidas, ficando inelegíveis pelo prazo de oito anos, a contar das eleições de 2020. Os cassados foram Naldo Feitosa e Lamarque Oliveira, do PSC, e Larissa Rosado, do PSDB.

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