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Nos dias 19 e 20 de novembro, o centro histórico de Natal vai receber com mais uma edição do Festival Mungunzá, que há sete anos transforma a cidade em um grande terreiro de celebração, afirmação e ancestralidade. Em 2025, a programação ganha fôlego ampliado, ocupando espaços culturais com debates, mostra audiovisual, JAM de ballroom, oficinas e shows gratuitos em homenagem ao Dia Nacional da Consciência Negra.
Mais do que datas comemorativas, o Mungunzá se ancora em um propósito político declarado: celebrar a vida negra, defender sua centralidade na formação do Brasil e construir espaços de resistência em um cenário ainda marcado pelo genocídio da juventude negra. “Cultura preta é direito do povo”, afirma a produção do festival, que convida o público a “chegar junto, trazer seu axé e fazer parte dessa roda”.
O festival começa no dia 19 de novembro, com programação em dois espaços. No CTC (antigo IFRN – Cidade Alta), ocorre uma mesa de debate sobre os desafios e potências de uma produção cultural racializada e periférica. Em seguida, a Casa Vermelha recebe a Sessão Novembro Negro, com filmes potiguares dedicados às narrativas de autoria preta. Entre eles, está “A Maré”, documentário que atravessa as memórias e resistências de quem vive às margens do Rio Potengi.
A sessão audiovisual é uma parceria entre o Cineclube Mulungu, o Cineclube Casa Vermelha e o festival, garantindo acessibilidade para pessoas surdas e ensurdecidas e abrindo espaço para um debate com os realizadores.
No dia 20 de novembro, o tradicional Largo Ruy Pereira se transforma em palco para apresentações musicais de artistas afro-brasileiros. A data, agora oficializada como feriado nacional, é tratada pela produção como um marco político: “Um feriado que não é só descanso: é tempo de memória e de luta. É reconhecer que sem a população negra não há futuro, não há Brasil”.
Entre as atrações já anunciadas para a edição de 2025 está Amém Ore, bicampeão do Slam RN, músico e compositor há mais de uma década. “Ele transforma palavra em flecha e rima em revolução”, define o festival.
A presença da Casa das Benvenutty, referência na cena ballroom do Nordeste, promete uma JAM de dança, moda e performance na Casa Vermelha. Fundada na Paraíba e hoje com atuação na Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte, a Casa é símbolo de resistência LGBTQIAPN+ nas artes negras.
Entre os destaques da programação musical, o festival recebe ainda Alê Du Black, multiartista potiguar que desde 2015 transforma suas vivências em flow e se firma como uma das vozes mais potentes do rap feminino no RN. Somando forças, Analuh Soares leva ao palco um show que é pura ancestralidade, criando um espaço de memória e pertencimento por meio da música afro-brasileira. E, vindo de Pernambuco, Bione aporta com a contundência de suas rimas: mulher negra, periférica e LGBTQIAPN+, ela faz da palavra um território de impacto, identidade e resistência. Também marca presença o multiartista natalense Sogos, ele enxerga o mundo pela psicodelia e transforma tudo em experiência sensorial. Nascido no Soledade II e hoje na Vila de Ponta Negra, atua como DJ, VJ, produtor musical e cultural.
Um festival político
O Mungunzá não se assume apenas como evento cultural, mas como um projeto político, fruto das vivências e dores de quem vem das periferias. Esta dimensão se torna ainda mais urgente diante da recente chacina que vitimou mais de 125 pessoas no Rio de Janeiro.
Em conversa com Freiras, produtor do festival, comentou:
“É sempre estarrecedor nos deparar com casos de violência na escala do que aconteceu no Rio de Janeiro. Temos um histórico de assassinato da juventude negra desde o Brasil Colônia (…) Essa realidade de violência nos cerca a todo instante.”
O produtor lembra que relatos de abuso policial também foram registrados em Natal na mesma semana, durante operações da PM em comunidades como Vila de Ponta Negra e Mãe Luiza.
Quando questionado sobre o papel do festival diante desse cenário, afirma:
“Honrar esse legado significa também nos posicionar contra toda forma de violência dirigida ao nosso povo, assim como fizeram os ancestrais que enfrentaram a exploração dos senhores de engenho e a violência militar do Estado através dos quilombos.”
Outras ações
As ações do Mungunzá se estendem para além dos palcos. Em setembro, o coletivo realizou a edição piloto do Afrobetizando – Artes da Perifa, projeto voltado à implementação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que determinam o ensino de cultura afro-brasileira e indígena nas escolas.
Idealizado por Freitas, Jessiane Oliveira e Luciara Freitas, o Afrobetizando busca aproximar jovens de suas ancestralidades através de oficinas, rodas de conversa e apresentações artísticas. As ações foram financiadas pelo edital Poeta Blackout, da PNAB 2024, e contaram com apoio de projetos comunitários como o Ponto de Cultura Casa da Vila e a Serigrafia Potiguar.
Para os organizadores, realizar esse tipo de ação em Natal é urgente diante da falta de fomento às artes periféricas:
“Oportunidades como essa deveriam garantir maior dignidade ao nosso fazer cultural, mas, infelizmente, como o recurso é pequeno, somos obrigados a escolher entre reduzir o impacto dos projetos ou reduzir nossos cachês.”
Eles ressaltam ainda a importância da PNAB na sustentação dessas inciativas, mas defendem a necessidade de políticas mais amplas de financiamento cultural contínuo.
O Festival Mungunzá reafirma, em 2025, sua vocação como espaço de resistência, produção de subjetividade e defesa da vida negra. Ao celebrar seus sete anos, o festival reforça um princípio que atravessa suas ações:
Com dois dias de programação gratuita, o Mungunzá convida a população a ocupar as ruas, celebrar ancestralidades e fortalecer a presença preta nos centros da cidade. Como lembra a produção, citando Nego Bispo: “Fazer festa é mais forte do que seguir legislaturas repressoras.”
Serviço
Datas: 19 e 20 de novembro de 2025
Entrada gratuita – retirada de ingressos aqui.
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