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A saída do Brasil do Mapa da Fome

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No dia 28 de julho de 2025, durante a 2ª Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU, realizada em Adis Abeba, na Etiópia, foi anunciada a saída do Brasil do Mapa da Fome. Os dados coletados e analisados de todos os países estão disponíveis no relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo 2025 (SOFI 2025), com 234 páginas.

Como notas não documentos Pacto Contra a Fomeo relatório — publicado pela FAO, IFAD, UNICEF, WFP e OMS — traz como grande destaque o Mapa da Fome, baseado na Prevalência de Subalimentação (PoU – Prevalence of Undernourishment), um indicador que estima a proporção da população cuja ingestão habitual de energia alimentar está abaixo do mínimo necessário “para manter uma vida ativa e saudável, ou seja, em condição de ingestão insuficiente de calorias”.

O Mapa da Fome é um indicador global da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), que identifica países onde mais de 2,5% da população sofre de subalimentação grave (insegurança alimentar crônica). Estar no Mapa da Fome significa que uma parcela expressiva da população não tem acesso regular a alimentos suficientes para uma vida saudável.

Segundo o indicador utilizado para determinar a permanência ou não no Mapa da Fome, um país é retirado da lista quando a média do último triênio fica abaixo de 2,5%, como foi o caso do Brasil. Isso significa que houve uma redução da insegurança alimentar grave e da subnutrição para menos de 2,5%, o que, segundo o relatório, representa cerca de 6,9 milhões de pessoas.

A FAO publica relatórios anuais, mas a classificação no Mapa da Fome baseia-se em médias móveis de três anos. No caso do Brasil, considerou-se a média trienal 2022–2024. Entre 2021 e 2023, houve uma redução de 6,6% (14 milhões de pessoas) para 3,4%. O percentual de pessoas em situação de subalimentação (PoU) caiu de 3,2% no triênio 2021–2023 para menos de 2,5% no triênio 2022–2024, retirando o Brasil novamente do Mapa da Fome.

Segundo a FAO, alguns fatores foram essenciais: o aumento da oferta de alimentos; o aumento da renda dos mais pobres (como o crescimento real do salário mínimo); a geração de 21 milhões de empregos; e a “governança, transparência e participação da sociedade”. Um dos exemplos foi à recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), extinto em 2019, durante o governo Bolsonaro.

Conforme afirmou o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, a saída do país do Mapa da Fome resultou, entre outros fatores, de políticas públicas eficazes, da diminuição do desemprego e de programas como o Plano Brasil Sem Fome — que engloba, além do programa Bolsa Família, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e as Cozinhas Solidárias —, da valorização do salário mínimo, do crédito para a produção de alimentos pela agricultura familiar (PRONAF), do fortalecimento da alimentação escolar e do acesso à alimentação saudável, do estímulo à geração de emprego e renda, do apoio à agricultura familiar e do incentivo à qualificação profissional, ao emprego e ao empreendedorismo. Houve também ampliação dos programas de aquisição de alimentos e de alimentação escolar, financiamento da agricultura familiar e políticas de transferência de renda.

Programas importantes como o de aquisição de alimentos e os repasses para a merenda escolar (congelados por cinco anos, entre 2018 e 2022) contribuíram significativamente. Com o retorno de Lula à presidência, houve um aumento de 36% apenas em 2023.

O essencial é unir o combate à fome com a inclusão social.

Não por acaso, esses investimentos e ações concretas resultaram na queda da mortalidade infantil, na redução das desigualdades regionais e na diminuição expressiva do percentual de crianças na primeira infância que vivem em famílias extremamente pobres. Em dois anos, cerca de 10 milhões de brasileiros saíram da pobreza extrema. A taxa caiu de 9% para 4,4% entre 2022 e 2024, conforme dados do IBGE e do Ministério do Desenvolvimento Social.

Esta foi a segunda vez que o Brasil saiu do Mapa da Fome. A primeira ocorreu em 2014, durante o governo Dilma Rousseff. No entanto, entre 2017 e 2022, houve aumento da extrema pobreza e, consequentemente, da insegurança alimentar e nutricional, levando o país de volta ao Mapa da Fome. Esse retrocesso resultou, em grande parte, da adoção de políticas neoliberais e do desmantelamento das políticas de proteção social.

O desmonte das políticas públicas provocou aumento do desemprego, da concentração de renda, da fome, da desnutrição, da mortalidade infantil e da má qualidade dos serviços públicos de saúde, agravados pelos efeitos da pandemia de COVID-19, com cortes de recursos e desestruturação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

No Brasil, é utilizada a Escala Brasileira de Medida Domiciliar de Insegurança Alimentar (EBIA), do IBGE, que classifica em três categorias: Segurança Alimentar, Insegurança Alimentar Leve, Moderada e Grave. Esta última atinge principalmente domicílios chefiados por mulheres, sobretudo negras, que enfrentam mais precariedade (em habitação, emprego, renda etc.) e mais insegurança alimentar.

Há também um componente regional, com maior incidência nas regiões Norte e Nordeste. Portanto, é preciso considerar variáveis de gênero, raça e território, constatadas em diversos indicadores.

Outro fator relevante foi o investimento no programa Bolsa Família, com aumento de valores e inclusão de benefícios para a primeira infância, crianças, adolescentes e gestantes, tornando-se uma das principais políticas de combate à pobreza no país. Atualmente, 19,6 milhões de famílias são beneficiárias — e cerca de 1 milhão saíram voluntariamente do programa devido ao aumento da renda familiar.

O Bolsa Família integra um conjunto de ações, como a ampliação de programas sociais que ajudam a reduzir os níveis de insegurança alimentar, a queda do desemprego (em 2024, o país teve a menor média da série histórica; em 2025, atingiu 5,8%, o menor índice já registrado), e a valorização do salário mínimo. Também houve ampliação dos recursos para o PAA, por meio da compra de alimentos da agricultura familiar e doações a organizações da rede socioassistencial, públicas e filantrópicas, além de equipamentos de segurança alimentar e nutricional, como Restaurantes Populares e Cozinhas Comunitárias, que atendem pessoas sem acesso regular à alimentação adequada.

Destacam-se ainda o Plano de Agroecologia e Produção Orgânica e a reativação do Programa Cisternas (criado em 2003 e abandonado no governo Bolsonaro). Este programa destina-se a famílias rurais de baixa renda, com até meio salário mínimo per capita, e contempla áreas afetadas por seca ou falta de água.

A saída do país do Mapa da Fome é fruto de um processo. Em novembro de 2020, o IBGE divulgou que quase 52 milhões de brasileiros viviam na pobreza. Segundo estudo do PNUD, o Brasil era, à época, o sétimo país mais desigual do mundo, atrás apenas de África do Sul, Namíbia, Zâmbia, República Centro-Africana, Lesoto e Moçambique.

Em junho de 2022, a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN) divulgou o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, apontando que 33,1 milhões de pessoas viviam em situação de insegurança alimentar grave.

Em 2023, com o início do terceiro mandato de Lula, houve avanços significativos. O país registrou a maior renda média da história da série (R$ 527,00) — em 2019 era R$ 442,00 e, em 2022, R$ 468,00 —, um aumento de 19,2%. Também houve queda do desemprego e aumento de empregos com carteira assinada.

Em agosto de 2023, foi lançado o Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades. Como parte desse processo, houve a retomada de programas de combate à pobreza e à miséria. O relatório da ONU sobre a insegurança alimentar mundial, divulgado no início de 2024 com dados de 2023, mostrou que a insegurança alimentar severa caiu 85%, significando que 14,7 milhões de pessoas deixaram de passar fome. A insegurança alimentar grave caiu de 17,2 milhões (2022) para 2,5 milhões (2023), ou de 8% para 1,2% da população.

Com isso, a pobreza e a extrema pobreza atingiram seu menor percentual desde 2012, revertendo a tendência de alta verificada entre 2017 e 2022. Os dados da FAO apontaram que a prevalência da subnutrição caiu de 4,2% para 2,8%, o que significa que cerca de 3 milhões de pessoas deixaram a condição de subnutrição crônica.

O número de pessoas em insegurança alimentar grave caiu de 33,1 milhões em 2022 (15,5% da população) para 8,7 milhões em 2023 (4,1%). Isso representa uma queda de 11,4 pontos percentuais, segundo projeções da PNAD Contínua.

E os avanços continuaram em 2024. Em julho, enquanto presidia o G20, o Brasil anunciou a criação da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, parte das estratégias internacionais de combate às desigualdades.

Em 2024, a renda do trabalho da população mais pobre cresceu 10,7%. Foram criados 1,7 milhão de empregos formais, dos quais 98,8%, segundo dados do governo, foram ocupados por pessoas inscritas no Cadastro Único. Assim, cerca de 1 milhão de famílias saíram voluntariamente do Bolsa Família.

A saída do Brasil do Mapa da Fome é resultado de um conjunto de ações e políticas públicas articuladas no Plano Brasil Sem Fome, que reúne mais de 80 ações envolvendo 24 ministérios, em parceria com estados, municípios e a sociedade civil.

Mas é preciso continuidade. Trata-se de um processo longo, que não se resolve facilmente nem depende apenas da vontade de um presidente. Como destaca o relatório da FAO, ainda existem cerca de 7 milhões de pessoas em insegurança alimentar grave — condição definida como a falta de acesso regular e permanente a alimentos em quantidade e qualidade suficientes.

Para dar continuidade ao progresso, é fundamental um programa com amplo planejamento, continuidade e consciência de que não basta apenas distribuir alimentos. É preciso redistribuir renda e enfrentar a concentração de renda e de terras.

Essas ações devem integrar um projeto mais amplo de desenvolvimento sustentável, que busque erradicar a pobreza, proteger o meio ambiente e garantir o direito à alimentação adequada para todas as pessoas.

Segundo Jorge Meza, representante da FAO no Brasil, no artigo “O Brasil voltou a sair do Mapa da Fome”, essa saída “não é apenas um dado estatístico, mas a reafirmação de um pacto nacional baseado em direitos, que coloca a dignidade humana no centro das atenções”, e  que “o exemplo do Brasil demonstra que é possível avançar rumo ao futuro com segurança alimentar para todas e todos”.

Como disse o presidente Lula, ao afirmar que acabar com a fome é um dos seus grandes projetos de vida: “É preciso colocar os pobres no orçamento”. Ele sabe que não é fácil, com um Congresso majoritariamente de direita e extrema direita, que controla mais de 50 bilhões do orçamento e que não tem — e nunca teve — o combate à fome, à pobreza e às desigualdades como objetivo ou prioridade.

O grande desafio do governo Lula não é apenas retirar o Brasil do Mapa da Fome, mas criar as condições para que o país nunca mais retorne a ele.

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