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Faltando pouco menos de um ano para as eleições de 2026, o debate em Brasília sobre o financiamento das campanhas ganhou espaço na mídia com a aprovação na Comissão Mista de Orçamento (CMO) do valor do fundo eleitoral para o pleito do ano que vem. A proposta ainda precisa passar pela votação em plenário do Congresso Nacional, para em seguida ser sancionada pelo Presidente da República. Quando o assunto ganha destaque nos meios de comunicação, sempre surge o debate sobre o excesso de recursos para a campanha, além da discussão sobre a forma e qualidade de como o dinheiro é utilizado.
Para ilustrar o caso, é preciso voltar ao pleito municipal de 2024 em Natal e analisar o desempenho da candidata a vereadora Jaqueline Lima, do Democracia Cristã (DC). Ela computou apenas 15 votos e teve R$ 21.846,00 de despesas pagas com recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Jaqueline não foi a menos votada da eleição, ou seja, houve outras seis pessoas com pior desempenho, mas foi a candidata que teve a maior proporção entre o que gastou e o resultado obtido. Foi o voto mais caro do pleito legislativo de 2024 na capital potiguar.
Antes de detalhar a forma como os recursos públicos foram utilizados, é preciso conhecer um pouco da candidata. No dia 17 de fevereiro de 1987, o Brasil estava em choque com um acidente de trem que matou mais de 50 pessoas em São Paulo. Na mesma data, nascia em Ceará-mirim a filha de Marimar e José Francisco. Sua ligação com a política estava apenas na coincidência por ter nascido no mesmo dia do aniversário da ex-governadora Wilma de Faria.
Jaqueline estudou até o Ensino Fundamental na Escola Municipal Irmã Arcângela, no bairro de Igapó, em Natal. Mora na Zona Norte. Já trabalhou no estádio Barretão, foi cuidadora, fez concurso público da prefeitura de Ceará-Mirim e é cozinheira. É casada, tem dois filhos, é evangélica, canta na igreja, curtiu a novela “O Rei do Gado” e gosta do Palmeiras.
Politicamente, Jaqueline fez campanha para Itanildo Reis nas eleições para vereador da capital do RN nos anos de 2016 e 2020. Em 2018, ela acompanhou Itanildo no apoio a Jacó Jacome para deputado estadual. No mesmo ano, foi atuante no Facebook na eleição presidencial. Fez campanha para Bolsonaro e compartilhou fake news contra Ciro Gomes e Manuela D’Ávilla relacionadas a aborto, fechamento de igrejas, legalização de drogas e o fim de feriados cristãos.
No primeiro semestre de 2024, Jaqueline ingressou oficialmente na política partidária ao se filiar ao Democracia Cristã (DC). No meio do ano, anunciou a pré-candidatura a vereadora de Natal. Posteriormente, participou de eventos políticos que efetivaram o seu nome na nominata de 26 candidatos do partido para a disputa do legislativo municipal. “Jaqueline Lima” foi o nome escolhido para usar na urna com o número 27710.
Na campanha eleitoral, a candidata divulgou nas suas redes sociais 10 mídias (1 foto de baixa resolução, 2 animações e 7 vídeos) relacionadas a eleição. O primeiro vídeo divulgado tinha baixa resolução e consistiu em Jaqueline Lima preparando um almoço para compartilhar com os correligionários Itanildo Reis e Eliú Oliveira. Ao som do jingle de campanha, os candidatos oraram pelo alimento, pediram voto e desfrutaram do Arroz, feijão preto, paçoca, batata doce, milho cozido, legumes cozidos e suco de acerola.
Os outros 06 vídeos tinham boa qualidade técnica e foram gravados no mesmo dia nos arredores da praça cívica, maternidade Januário Cicco e na praia de Areia Preta. Nos conteúdos, prometeu praças para a Zona Norte; para tirar os jovens da “ansiedade” e incentivar a prática de esportes, falou em criar o “bolsa jovem” e o “bolsa esporte”; afirmou que os ônibus para zona norte estão escassos; criticou a ausência de creches em tempo integral e defendeu os cursos profissionalizantes; falou da luta contra a violência obstétrica; denunciou que os esgotos na praia prejudicam o turismo e a economia.
No dia da eleição, precisamente na hora da apuração, foram somados 15 votos para Jaqueline Lima, o número mais baixo do Democracia Cristã. A candidata acumulou mais curtidas nas postagens eleitorais do que eleitores. O partido elegeu o vereador João Batista Torres com a contribuição de Jaqueline. Mas a ajuda da cozinheira não estava relacionada ao desempenho nas urnas mas com atingimento da cota mínima de gênero (30%). A agremiação montou uma nominata com 26 candidatos, sendo 8 mulheres que contabilizaram 30,76%. Sem Jaqueline, o DC não tinha conquistado a cadeira.
É preciso ressaltar que dos 26 nomes que disputaram a vereança pelo DC, os 4 piores resultados foram de mulheres que tiveram desempenhos abaixo de 30 votos. O TSE, através da Súmula 73, considera como um dos elementos para possível enquadramento de irregularidade à cota de gênero a “votação zerada ou inexpressiva”, conforme o art. 10, § 3º, da Lei 9.504/1997.
Nas datas seguintes à votação, as prestações de contas dos candidatos começaram a ser publicadas no portal do TSE. Embora não tenha se aproximado minimamente de se eleger, Jaqueline apresentou o voto mais caro da eleição quando se calcula as despesas pagas (R$ 21.846,00) com os fundos eleitorais e o resultado alcançado. As 15 indicações recebidas apresentaram um custo unitário de R$ 1.456,40. Apesar de não ter sido última colocada geral na campanha, ou seja, outras seis pessoas registraram desempenho inferior na votação, o preço do seu voto foi mais caro do pleito legislativo da capital.
Detalhando as prestação de contas de Jaqueline se identifica o gasto de R$ 846,00 na contratação de dois militantes políticos, além de atividades contábeis e advocatícios que custaram R$ 1.000,00. Os valores apresentados estão na média dos serviços pagos pelos demais candidato. O que se destaca na prestação de contas é o montante de R$ 20.000,00 em atividades de comunicação visual. De acordo com a nota fiscal, o valor contemplava a “assessoria, produção de conteúdo (digital, impresso, áudio e vídeo), edição, roteiros, postagens e manutenção de redes sociais”.
O dinheiro usado em comunicação se mostra bastante exagerado quando se analisa os valores praticados no mercado e a pouca materialidade do que foi produzido na eleição, ainda mais quando se contextualiza com a ínfima votação auferida. Além da qualidade dos gastos, existe outra observação relevante. O nome de Jaqueline Lima foi fundamental para o atingimento da cota mínima de mulheres na nominata. Entretanto, contraditoriamente, o fornecedor que recebeu R$ 20.000,00 pelos serviços de mídia já respondeu processo 3º Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Natal.
O relato sobre Jaqueline Lima não é uma exposição gratuita de uma trabalhadora, mas a exemplificação de como são precários os mecanismos de fiscalização dos recursos públicos destinados aos fundos eleitorais. No momento em que o Congresso Nacional já encaminha um robusto incremento de valores para eleição de 2026, é preciso que sejam criados sistemas de controles mais rigorosos no uso do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), garantindo a transparência do processo e evitando que outras “Jaquelines” sejam usadas apenas para cumprir cotas legais
