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Ouro Branco

Depois da tempestade, o sopro do riso frouxo

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Era uma daquelas noites em que o vento parecia sussurrar segredos antigos pelas frestas da janela e que, convenhamos, não era lá o tipo de fofoca que você gostaria de revelar em um grupo de WhatsApp. Vento frio. Queda brusca de temperatura que sempre deixava Bia com a sensação de estar sendo abraçada por um urso polar mal-humorado (mas que, por sorte, não estava pensando em morder). A lua, tímida, espreitava entre as nuvens, lançando sombras dançantes sobre seu quarto e densidades que tornavam o ar mais pesado do que um romance ruim de aeroporto.

Bia, com seus olhos de menina e alma de mulher, sentia no peito uma dança descompassada. O ar, antes seu fiel escudeiro, agora se comportava como um turista perdido: escapava entre os dedos como areia. (Sabe aquela sensação de tentar segurar o verão na palma da mão?) Cada inspiração era uma batalha digna de reality show. Cada expiração, um alívio fugaz, quase um “ufa, escapei dessa”. O chiado, cúmplice maldoso, sussurrava “te peguei!”, e a dor a cada movimento era um lembrete de que o sopro, essa bendita brisa vital, tinha senso de humor duvidoso.

Então, Bia lembrou-se, em meio ao caos respiratório, da história que sua mãe contava: o “sopro da vida”. Aquele tremendo, ansioso, encantadoramente vivo, que nos conectou ao mundo, que nos moldou, que nos fez deixar de ser bonecos de barro (como diz o mito bíblico), para sermos algo mais. Ar-vida, sopro-vida, “respiro, logo vivo!” (quase um slogan de vida saudável, não fosse o cleptomaníaco ar que resolveu brincar de esconde-esconde.)

A asma, essa convidada inconveniente, chegou sem avisar, transformando risos em silêncios, corridas em pausas dramáticas, planos em pausas e as atividades cotidianas em “cadê a bombinha, pelo amor de Deus!”. Mas Bia, com sua força serena (e sua paciência de santa), aprendeu a dançar conforme a música, por mais torta e dolorosa que fosse, mesmo que o ritmo fosse marcado por pulmões caprichosamente doloridos e ar em fuga. A asma não era sua companheira de primeira viagem. Já conhecia essa peste.

No apogeu da crise, hospital, cortisol na veia, desespero, coração para lá de acelerado, o cérebro sem pensar direito, só a dramática frase dançava freneticamente em sua mente: “Vou morrer!” Voltou pra casa trêmula, com taquicardia e cansada (“como isso cansava!”). Cansava, mesmo!

Ficou assim, mal acompanhada por alguns dias. Tossindo, peito dolorido, “taquicárdica”, cansada e entupida de remédios. E então veio o ápice: a crise passou. De repente, Bia se sentia como quem acabou de vencer um duelo épico… contra o próprio sopro. A bombinha virou seu troféu, o apoio que, no palco da vida noturna, lhe devolvera a direção da orquestra respiratória. A cada sopro recuperado, seu humor voltava: ela ria da própria dramaticidade.

Era como se a lua, cúmplice silenciosa, sussurrasse agora: “A caminho o melhor ar do mundo… e vem com risada, risada frouxa!”

E, assim, Bia ergueu o peito. Inspirou esperança. Expirou medo com galhardia. A crise fizera-lhe visita, sim, mas fora vencida com graça. Ria baixinho, certa de que, no fim, cada suspiro é um lembrete de que a vida segue, leve e sorridente, apesar do medo da visitante indesejada voltar.

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