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Pílula Valmir em pó
Recentemente, a 96 FM publicou no YouTube um vídeo com o título “Rogério Marinho comenta relação entre imprensa e STF”, cuja thumbnail traz a frase “Como o STF usa a imprensa para manipular”. O vídeo em questão, que está com 45 mil visualizações, é um recorte de uma entrevista concedida pelo senador à rádio no dia 5 de setembro de 2025.
O título presente na capa do vídeo é bastante curioso para quem conhece a trajetória política de Rogério Marinho, que hoje se comporta como um radical bolsonarista, mas começou a vida política no Partido Socialista Brasileiro (PSB). Quando vereador de Natal, buscou agradar o então presidente do partido, Eduardo Campos, e fortalecer seu nome como possível candidato a prefeito. Para isso, homenageou Miguel Arraes na Câmara Municipal, fazendo com que um dos ícones da esquerda brasileira passasse a dar nome à Escola do Legislativo da Casa. Como deputado federal, esteve em movimento em 2009 que passou a defender a possibilidade de Lula disputar um terceiro mandato na eleição de 2010.
Além da transformação ideológica gradual, de membro do PSB que homenageava políticos de esquerda, passando pelo PSDB, até se consolidar como bolsonarista radical, a trajetória de Rogério Marinho é marcada por episódios controversos. Seu histórico inclui acusações de envolvimento na “Máfia do Saco Preto”; o estranho caso da construção de um mirante avaliado em quase R$ 2 milhões pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, pasta da qual era titular, e que beneficiava diretamente suas terras em Monte das Gameleiras; e o registro de uma condenação judicial pela suposta contratação de servidores fantasmas na Câmara Municipal de Natal. Com esse histórico, o senador sentou na bancada da 96 FM e usou o microfone de uma concessão pública para propagar mentiras, repercutir fakenews e enumerar contradições em um ambiente totalmente isento de contrapontos que possam gerar qualquer tipo de desconforto ao entrevistado.
A partir do corte destacado no YouTube, foi possível analisar toda a entrevista, na qual se percebe um diálogo que mais parecia um jogo de vôlei, com o levantador (a bancada) preparando as bolas ao longo de toda a partida para o parlamentar cortar. A conversa abordou de forma bastante confortável temas relacionados ao Supremo Tribunal Federal (STF), à política do Rio Grande do Norte, à anistia aos golpistas, ao “tarifaço” de Donald Trump e ao papel da imprensa.
Um dos assuntos mais abordados na entrevista foi a postura do STF, especialmente a atuação do ministro Alexandre de Moraes, na tentativa de golpe de Estado comandada por Jair Messias Bolsonaro. Na visão de Rogério Marinho, o ex-presidente não recebeu um julgamento imparcial da mais alta corte brasileira. O senador afirmou que “Xandão” contrariou o ordenamento jurídico ao se comportar como um agente acusador. No entanto, a titularidade da ação é da Procuradoria Geral da República (PGR), Moraes supervisiona as provas apresentadas, autoriza diligências legais e submete suas ações ao colegiado. Para não contrariar a versão que tenta deslegitimar uma ampla cadeia probatória, nenhum dos entrevistadores se lembrou que o pleno do Supremo referendou o rito do processo, inclusive rejeitou uma medida que buscava o impedimento do relator.
O antigo socialista usou o espaço para repetir chavões bolsonaristas de que o Supremo alterou o foro do julgamento do processo do golpe para prejudicar o ex-presidente. Também afirmou que o acontecimento de 8 de janeiro de 2023 era apenas um domingo com pessoas desarmadas, mulheres, idosos e crianças. Lembrou da condenação de Débora do Batom e de uma pessoa que foi condenada por apenas ter sentado na cadeira do presidente do senado. Durante o programa, ninguém citou que Bolsonaro é julgado pelo STF por prerrogativa de função, já que os crimes contra a democracia se iniciaram quando o antigo mandatário ainda estava na condição de chefe do executivo federal. Além disto, cabe à corte suprema a condução de causas relacionadas a crimes contra a democracia. Não precisa ser um jurista para saber que o processo do golpe de Estado não se trata da análise isolada dos fatos ocorridos no “8 de janeiro”.
Para solucionar os problemas, Rogério Marinho reiterou a importância de uma anistia, sem qualquer tipo de gradação e fez um paralelo com o contexto de 1979, quando, na visão casuística do senador, foram anistiadas pessoas por crimes violentos, sequestro, roubos. Para argumentar favoravelmente à esdrúxula simetria entre o golpe bolsonarista e a Lei da Anistia, o político relembrou uma declaração de Gilmar Mendes de 2010 quando houve o julgamento de uma medida que visava revisar a Lei da Anistia de 1979 com o intuito de condenar “agentes do Estado que cometeram crimes comuns no regime militar”. Na circunstância, o atual decano do Supremo declarou que não cabia a nenhum outro poder questionar a então decisão do parlamento que buscava um pacto para iniciar o encerramento de uma ditadura.
Novamente, Rogério Marinho não recebeu qualquer tipo de contraponto, mentiu sobre a Lei da Anistia de 1979, que no seu artigo 1º determina que “excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal”. É preciso destacar que o atual projeto de anistia “sem qualquer tipo de gradação” tem a rejeição de 64% dos brasileiros e visa apenas beneficiar os comandantes do golpe bolsonarista e habilitar o nome de Jair Bolsonaro para as eleições de 2026.
Ainda para desqualificar o trabalho de Alexandre de Moraes, o senador recorreu às acusações de Eduardo Tagliaferro. Segundo Marinho, um juiz auxiliar do ministro do STF ordenou que, mesmo se encontrasse nada, era necessário usar a criatividade para achar alguma coisa contra Eduardo Bolsonaro e a Revista Oeste. Rogério usou o caso como um exemplo de instrumentalização do aparelho estatal para perseguir adversários políticos.
Jornalisticamente, a bancada tinha o dever de afirmar que, mesmo após um longo período, Eduardo Tagliaferro ainda não comprovou quaisquer de suas denúncias, foi preso e exonerado por um caso de violência doméstica, foi denunciado por atuar em esquemas de fraudes processuais em processos de inventário e tornou o assunto “Alexandre de Moraes” um negócio onde se fatura com lives em mídias sociais.
No mesmo programa, em uma fala com certo tom dramático, o apresentador do programa afirmou que “ninguém sabe separar o judiciário (alta corte) do executivo” e perguntou se Rogério Marinho temia algo. O senador, que antes tinha comentado algo sobre ser preso pela sua opinião, respondeu entre outras cosias que a constituição está sendo descumprida pelo STF e que no Brasil se vive em uma democracia relativa, porém, em 2022, o próprio Rogério, que hoje demoniza o Supremo, recorreu ao tribunal e obteve uma decisão liminar monocrática do ministro Dias Toffoli que suspendeu sua ação penal no qual foi condenado por suposta nomeação de funcionários fantasmas quando era vereador de Natal.
Na entrevista, o ex-deputado repetiu algumas vezes que está ocorrendo um aparelhamento da máquina pública no Brasil com o objetivo de perseguir a direita bolsonarista, em vez de servir o Estado Brasileiro. Entretanto, o próprio Rogério Marinho cai em contradição nas declarações sob o uso indevido do aparelho estatal a partir do momento que foi condenado por supostamente contratar funcionários fantasmas em um órgão público.
Em determinado momento do programa, pareceu que finalmente ia surgir alguma indagação mais forte. O apresentador até afirmou que se tratava de uma pergunta indigesta. Na prática o senador foi apenas questionado sobre o comportamento de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos. Mesmo gerando grandes prejuízos nas exportações do Rio Grande do Norte, Rogério Marinho, que é pré-candidato ao governo, afirmou que o filho 03 do ex-presidente faz um grande trabalho na américa do norte, jogou a responsabilidade do tarifaço no governo Lula e criou uma salada retórica ao citar uma suposta censura do STF. A bancada foi extremante omissa ao focar o tema nas críticas ao presidente da república sem contextualizar o impacto das tarifas de Donald Trump na economia potiguar. Marinho foi eleito para representar os interesses do estado em Brasília.
Sobre a pré-campanha ao governo, ignorando seu passado de convenientes mudanças ideológicas, Rogério Marinho cobrou do prefeito de Mossoró, Alisson Bezerra, uma identidade ideológica e programática
Referente à CPMI do INSS, a bancada ignorou o fato que Rogério Marinho é uma figura importante na investigação, visto que o senador foi secretário especial de Previdência e Trabalho. Não houve qualquer abordagem para saber se o ex-vereador tinha conhecimento do crescimento dos descontos indevidos em aposentadorias e pensões que culminaram na Operação Sem Desconto.
Além do STF, a mídia nacional foi pauta no programa da 96 FM. Rogério Marinho, que conta no estado com o alinhamento editorial de blogs, rádios e portais de notícias, reclamou da atuação do Globo, Estadão e Folha que se declararam contra ao projeto de anistia aos golpistas. Na visão do senador, os veículos nacionais normalizaram uma hipotética chantagem que o poder judiciário faz com o poder legislativo para que a anistia não prospere no congresso nacional.
Marinho foi abordado por um dos entrevistadores sobre a demissão do fotógrafo do Estadão após foto de Alexandre de Moraes “estirando o dedo” no estádio do Corinthians. O próprio senador já tinha abordado o assunto Instagram. A bancada perdeu uma ótima oportunidade para tratar o assunto em um contexto local de liberdade de imprensa, em que ocorreram as demissões dos jornalistas Bruno Barreto (TV Ponta Negra), Tiago Rebolo (98 FM) e Hugo Vieira (TV Tropical).
A omissão do tema já era esperada quando se analisa a situação de Heitor Gregório que foi demitido publicamente da Tribuna do Norte. Por críticas ao prefeito Paulinho Freire, o jornalista foi desligado de suas funções após comunicação do empresário Flávio Azevedo, dono do jornal e primeiro suplente de Rogério, em plena caixa de comentários do Instagram. O senador nunca se pronunciou sobre o assunto. O personagem Rogério Marinho “defensor da liberdade de imprensa” já estava em total descrédito desde quando processou Bruno Barreto que, em pleno exercício da profissão jornalística, foi acionado judicialmente porque publicou que o parlamentar “teria sido beneficiado por decisão do STF após um encontro informal entre autoridades, no que chama de “convescote político””.
A entrevista foi marcada pelo cuidado da bancada da 96 FM em proporcionar a Rogério Marinho um ambiente favorável para atuação ou até reconstrução da sua persona de “defensor da liberdade” que na noite anterior tinha sido descontruída na Globo News. Na ocasião, a jornalista Andrea Sadi o abordou fora do roteiro habitual de media training, o que acabou surpreendendo o senador que reagiu de forma grosseira contra a âncora global.
Apesar de diversas críticas de veículos de todo brasil sobre a postura de Rogério Marinho com Andrea Sadi, a 96 FM colocou “discussão” no título do vídeo entre aspas para suavizar o episódio.
Para amenizar o caso, Rogério Marinho disse que “jornalista pode perguntar o que quiser” e condenou a restrição de temas. Contudo, em uma entrevista anterior na própria 96 FM, o senador ficou desconfortável quando foi confrontado por Bruno Araújo, que por coincidência não estava na bancada do dia 05/09/2025, sobre o tarifaço de Donald Trump contra o Brasil. O que comprova que existe uma discrepância entre o discurso e a prática, que expõe as diferenças entre o papo furado de “liberdade” e a prática para fugir do contraditório.
O vídeo “Como o STF usa a imprensa para manipular” expõe na verdade o “Como Rogério Marinho usa imprensa amiga de Natal para manipular”?
